São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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Setor privado deve US$ 43 bi no exterior

FERNANDO RODRIGUES
DA REPORTAGEM LOCAL

A dívida externa das empresas e bancos brasileiros privados é US$ 43 bilhões, um recorde histórico.
A dívida externa total é de US$ 151,7 bilhões, outro recorde, segundo números coletados pela reportagem da Folha.
Assunto dado como resolvido pelo governo, a dívida externa cresceu regularmente desde 1989, quando era de US$ 115,5 bilhões. Em relação ao valor atual, o aumento foi de 31,4%.
O dinheiro tem entrado, basicamente, para o setor privado -principalmente para os bancos. As instituições brasileiras vendem papéis no exterior pagando juros acima da média internacional.
O governo endividou-se pouco nos últimos anos. De 89 para cá, a dívida pública no exterior cresceu de US$ 93,5 bilhões para US$ 108,4 bilhões -aumento de 10%.
Já as empresas e os bancos privados tiveram sua dívida externa pulando de US$ 16,9 bilhões em 89 para US$ 43,2 bilhões este ano. Um crescimento de 115,6%. Essa corrida do setor privado ao dinheiro externo ocorre por três razões principais:
1) o Brasil normalizou sua situação externa, renegociou totalmente as dívidas atrasadas pelos governos José Sarney, Fernando Collor de Mello e Itamar Franco e hoje paga todos os seus compromissos em dia;
2) o juro brasileiro é alto e o externo é baixo. Os bancos remuneram bem o investidor no exterior e ainda têm lucro ao trazer os dólares para o Brasil;
3) e a economia brasileira tem um câmbio praticamente fixo, o que garante aos devedores um valor mais ou menos constante em seus débitos em dólar.

Custos e semântica
A dívida externa tem um custo alto para o país. Desde 1989, quando os débitos brasileiros voltaram a crescer, o país já gastou US$ 78,928 bilhões em remessas para pagar juros e amortizações.
O governo sustenta que a dívida externa não é mais um problema para o país. Até os termos usados no discurso oficial mudaram.
Quando as empresas emitem seus papéis para tomar dinheiro emprestado, costuma-se dizer que foi feita uma ``captação". Não se fala mais que a essa ou aquela empresa ``aumentou sua dívida".
``O principal risco é que você terá, no futuro, montantes grandes para amortizar", diz o presidente do Banco de Boston e da Associação Brasileira dos Bancos Internacionais (ABBI), Henrique de Campos Meirelles.
Meirelles considera haver ``muito risco" de o país ficar em dificuldades se não controlar agora o aumento da dívida externa.
Nos anos 70, o dinheiro era farto. Países do Terceiro Mundo se endividaram. O Brasil devia US$ 6,2 bilhões em 1970. Em 1980, o valor da dívida externa já era de US$ 64,2 bilhões -935% a mais.
Em 82, o México não conseguiu pagar sua dívida e entrou em moratória. O Brasil o imitou, pouco tempo depois.
No início deste ano, o México, de novo, teve dificuldades para pagar seus compromissos. Os Estados Unidos e organismos internacionais de crédito ajudaram.

Reservas altas
Após a crise mexicana, o Brasil perdeu reservas. O problema foi temporário, pois o dinheiro voltou a entrar. Hoje, as reservas estão próximas de US$ 40 bilhões.
Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e hoje consultor de empresas, não vê problemas no nível atual de endividamento.
``Antes da crise do petróleo, no início dos anos 70, as empresas privadas tinham dois terços da dívida externa brasileira. Hoje, elas têm um terço e há espaço para mais captação", afirma Maílson.
Para Fernando Arruda Sampaio, economista e pesquisador do Instituto de Economia da Setor Público (Iesp), ``o problema é que não se pode controlar a oferta".
``Hoje em dia, há uma oferta excessiva de crédito. Algum dia ela pode diminuir e as empresas não terão como tomar mais dinheiro", diz Sampaio.
Se algum dia a fonte externa secar, como supõe Sampaio, os devedores ficarão obrigados a pagar suas dívidas.
Para pagar seus débitos, os devedores entregam reais para o BC, que remete o valor correspondente em dólares para o exterior. O dinheiro sai das reservas, trilhando o caminho inverso que fez para entrar no país.
Por enquanto, não houve problema. Os papéis emitidos que venceram no primeiro semestre deste ano foram quase todos rolados: os bancos e as empresas apenas fizeram novas emissões e continuaram a pagar juros.
O BC sinalizou na semana passada que gostaria de diminuir a entrada de dinheiro externo. Passou a cobrar um imposto de 5% dos empréstimos que vêm de fora.
Mas isso não deve funcionar. ``Para os bancos, fica apertado, mas é possível repassar o custo para o tomador final no Brasil", diz Bernardo Parnes, diretor da corretora Merrill Lynch, uma das mais especializadas na emissão de bônus no exterior.
Para as empresas, endividar-se no exterior continuará sendo um paraíso. Os juros que os brasileiros estão pagando para trazer dinheiro é de 9,5% a 11,8% em dólares.
Mesmo com o imposto de 5%, trata-se de dinheiro barato. O juro real (descontada a inflação) no Brasil está perto de 30% ao ano.

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