São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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Cresce o reino da fantasia

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Disneyworld, daqui a pouco tempo, poderá deixar de ser o nome de um parque de diversões na Flórida para se tornar a expressão alternativa para designar o planeta Terra. Pelo menos em termos de cultura de massa.
Há dúvidas se a expansão da Walt Disney Company, desde o início deste mês a maior empresa da indústria do entrenimento do mundo, vai continuar. Mas se Michael Eisner, o presidente da Disney, conseguir realizar seus planos, quase tudo que for visto, lido, ouvido ou acessado daqui a 20 anos terá alguma conexão com a sua empresa. Já é quase assim, e os anos 90, que Eisner proclamou em 89 como ``a década de Disney", ainda estão apenas na metade.
A Disney, com 85.200 funcionários, controla a maior rede de TV do mundo (a ABC), uma das maiores redes de TV por cabo do planeta (a ESPN, com 70 milhões de assinantes em 130 países), alguns dos principais estúdios de cinema de Hollywood, jornais, revistas, gravadoras, editoras.
Após a morte de seu fundador, no final da década de 60, duas visões do mundo de Disney se confrontavam: a idílica (uma canção de sucesso na época pedia: ``Papai Walt Disney, não me abandone") e a demoníaca. A primeira é a que todo mundo conhece: o universo em que a bondade e o amor sempre triunfam sobre o mal e o ódio. A segunda também ficou popular: o império da alienação, em que a produção econômica e biológica desaparecem com o objetivo de suprimir na consciência das massas a noção de luta de classes.
É provável que, como quase sempre, a verdade esteja no meio dessas duas interpretações do fato. Que o mundo de Disney é alienante, não há dúvidas. Por outro lado, que mal pode haver na fantasia despreocupada, no escapismo inocente, ainda mais quando eles vêm carregados de valores éticos tão universais? Quem pode condenar Pinocchio por ensinar às crianças que não se deve mentir? Quem vai ficar insatisfeito com tantas pessoas terem se tornado defensoras dos direitos dos animais por causa de Dumbo?
Mas Disneyworld tem seus aspectos assustadores. Walt Disney (1901-1966) nunca escondeu seu lado orwelliano. Muitos dos que se encantam com o Epcot Center não pensam nas implicações de Epcot ser Experimental Prototipy Community of Tomorrow (Protótipo da Comunidade Experimental do Amanhã). Ele foi concebido por Disney (que não chegou a vê-lo materializado) como um modelo de cidade ideal: fechada numa cúpula para permitir que tudo -até o clima- fique sob controle. Dele, Disney, ou de seus gerentes, claro. Os parques da Disney Company são exemplares (seu grande teste será o do Brasil, se ela cometer a loucura de construí-lo, como anunciou): tudo é limpo, eficiente, ordenado, previsível.
Até que poderia ser bom, se não mexesse tanto com a vida de pessoas reais. Para poder trabalhar na Disneyworld, por exemplo, é preciso se comprometer a seguir o padrão Disney de aparência. Isso significa: homens sem bigodes ou barbas, com cabelos cortados de modo que as orelhas sempre apareçam, sem brincos; mulheres sempre com roupa de baixo, unhas curtas e sem esmaltes escandalosos; ninguém com muito perfume. Além disso, a chamada cultura empresarial na Disney é conhecida pela brutalidade com que decisões são tomadas e implementadas.
Mesmo assim, a imagem externa do mundo de Disney ainda é a de que ele representa os interesses da família. Isso, em princípio, só se fortaleceu após a compra da ABC, dona do slogan ``a rede de TV da família".
Claro que ninguém mais sabe o que é a família hoje em dia. Ainda mais nos EUA, onde apenas 35% das casas agora são habitadas por famílias ``tradicionais" : marido, mulher e seus filhos biológicos. Por isso, e porque no mundo da comunicação o conteúdo é o maior capital, mas o lucro é o principal imperativo, a Disney atira em todas as direções para poder faturar o máximo possível.
Bambi, Branca de Neve e Aladim continuam vinculados ao seu nome. Mas suas subsidiárias produzem e distribuem filmes como ``O Padre", sobre um padre católico homossexual, ou ``Kids", sobre adolescentes que roubam, se drogam, batem em animais domésticos e fazem sexo como loucos sem preservativos.
Tudo bem, porque famílias não se juntam mais para ir ao cinema e nem mesmo para ver televisão: em 40% das residências dos EUA, há mais do que três aparelhos de TV. Cada um no seu quarto, com sua telinha. Segmentar, portanto, é a regra do jogo. Embora, para efeito de propriedade, a integração vertical seja a tendência dominante. Rupert Murdoch deu o mote e Michael Eisner o está levando aos extremos.
Para quem consome, faz alguma diferença quem é o provedor de seus produtos culturais? Alguns acham que sim, que é importante manter alternativas, preservar um senso de comunidade. Outros consideram essa uma falsa questão: o mundo já é uma coisa só mesmo. O que distingue um shopping em Campinas de outro em Seul?
O mundo de Disney não vai ser muito diferente do atual. Ele não vai chegar aos extremos que seu criador concebeu, mesmo porque isso seria antieconômico e o seu atual gestor leva em conta, acima de tudo, a eficiência.

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