São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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Crise faz poliglota viver na rua

DANIELA FALCÃO
DE NOVA YORK

Raymond Harris tem 53 anos, é branco, nasceu em Nova Jersey e fala três idiomas além do inglês.
Desde maio, quando foi despejado do apartamento em que morava no Brooklyn, Harris virou um sem-teto nas ruas de Nova York.
A diferença entre ele e a maioria de seus ``vizinhos" nos bancos do Central Park é que Harris não nasceu pobre, não é imigrante, nem pertence a grupos minoritários.
Até 1988, ele morava numa casa de dois andares no Brooklyn que pertencia à sua família e dividia com o pai os cuidados de uma loja de equipamentos para praia, em Nova Jersey.
``Veio a recessão e a loja faliu. Meu pai não quis aceitar ajuda do governo e decidiu vender a casa. A partir daí minha vida acabou."
O pai de Harris, um imigrante sírio que antes de chegar aos EUA passou pelo Panamá, morreu em 1989. Sua mãe, que é panamenha, vive hoje na Flórida num asilo.
Harris diz que procurou emprego em vários lugares, mas não arranjou nada que ``valesse a pena".
``Na minha idade, ninguém oferece emprego decente. Só chineses e mexicanos aceitam trabalhar 12 horas por dia e ganhar uma porcaria", afirma Harris, que é judeu e, mesmo vivendo nas ruas, não tira o solidéu.
Sem conseguir emprego, ele recorreu a um grupo de caridade privada que lhe deu um apartamento e uma ``cesta básica" mensal.
Em maio, ficou sem casa porque parou de cumprir as exigências feitas em troca do imóvel.
``Eles queriam que eu atestasse 1 milhão de coisas, tinha que ir lá toda a semana. Parei de ir e um dia tomaram minha chave e não deixaram nem eu pegar o que havia ficado dentro."
Nos dois bancos que ocupa logo na entrada do Central Park, Harris guarda uma mala grande e duas sacolas com roupas e sapatos.
Ele lê pelo menos um jornal por dia. Inteiro. ``Começo pelos obituários e casamentos. Se você quiser entender uma sociedade, tem que ler essas duas partes."
Ao contrário da maioria dos sem-teto que faz fila nas portas das igrejas e sinagogas para receber sanduíches, Harris só come comida de restaurante.
``Para viver na rua você tem que ser inteligente. Ligo para os restaurantes no fim da noite e peço para eles embrulharem a comida que sobrou. Cada dia vou num lugar diferente. Se posso comer caviar, por que fazer fila para receber um pão com geléia?"
Para se defender de outros sem-teto, Harris diz que usa a inteligência. ``Tenho que ser esperto. Se tem alguém querendo tomar meu lugar ou roubar minhas coisas, ligo para a polícia e faço denúncia anônima com a descrição do sujeito. Dou uma passeada e, quando volto, ele já foi levado."
Segundo Harris, não é difícil viver do lixo em Nova York. ``Já juntei 200 pares de sapatos seminovos que achei nas ruas. O lixo das sapatarias é ótimo porque muita gente que compra sapatos novos deixa os antigos por lá."(DF)

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