São Paulo, segunda-feira, 14 de agosto de 1995
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Califórnia uber alles e chega de ficar sem fazer nada

ANDRÉ FORASTIERI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Antigamente, quando eu fazia uma viagem internacional, passava metade do tempo fuçando loja de disco. De preferência aquelas pequenas, enfiadas numas quebradas, procurando bizarrias que em tempo algum se acharia no Brasil.
O mundo gira, a lusitana roda, e, para minha suprema vergonha, acabo de passar quase duas semanas na baixa Califórnia (o futuro da civilização se der tudo certo) e não comprei um mísero disco.
Ok, eu estava trabalhando e com uma agenda hiperlotada. Mas dei um jeito de achar tempo para comprar livros, gibis, até ir ao cinema. Disco que é bom, nada.
Pior. cheguei a comprar ingresso para um show do Foo Fighter, a banda nova de Dave Grohl do Nirvana, com abertura do Wool. E, na última hora, acabei não indo.
Antes de ir estava cheio de planos. Pô, San Diego tem uma cena local cheia de moral. Por pouco não virou ``a nova Seattle", quando buscar a ``nova meca do rock" se tornou o esporte predileto de um bando de jornalistas sem nada para fazer. Bandas como Rocket From The Crypt, Drive Like Jehu e (mais ou menos) os Stone Temple Pilots tem a ver com essa cena.
Mudou o rock ou mudei eu? Ahnn, os dois, provavelmente. Primeiro, mudou o rock. Uns 99,9% das bandas novas me parecem abomináveis, e pior ainda, abomináveis de uma maneira já odiosa e redundante há anos.
Assisto o ``Lado B" e quase durmo, o que aliás talvez seja a função do programa dada a hora em que ele é exibido. Sempre que o encontro o Massari fico pentelhando , ``pô meu, essas bandas são todas iguais", papo de pai que acha rock tudo a mesma coisa. Mas não tem jeito. De vez em quando leio em alguma revista gringa uma descrição maravilhosa de uma banda nova. Vou ouvir, é a mesma porcaria de sempre.
Semana passada tive uma fantasia: se pudesse voltar no tempo e mudar a história, ia para Glascow em 82, dava um milhão de dólares para os irmãos Reid irem encher a cara em Ibiza e assim evitava a formação do Jesus and Mary Chain -que é uma bandona, mas teve uma influência nefastésima. Meus ouvidos seriam poupados de muito lixo se o Jesus and Mary Chain nunca tivesse existido.
Isso sem falar nessas coisas inomináveis tipo Hootie e The Blowfish (sucesso esmagador nos EUA), Sheryl Crow (bela boca e pernas, ignore o resto) e toda essa papagaiada ``adulto alternativo".
A situação atual do rock é tão estranha que o Brasil está perdendo sua única revista de rock, a ``Bizz". Ela vai mudar de formato (maior), de nome (``Showbizz"), de assunto (agora será entretenimento em geral, uma ``Placar pop") e até equipe. Trabalhei lá um tempão e acho meio sacanagem comentar o assunto. Agora, por aí você faça uma idéia: uma revista de rock que já chegou a vender 100 mil exemplares simplesmente deixa de existir, é pista de que o rock em si anda meio em crise.
Claro que também mudei eu, claro, de maneiras que não sei medir nem julgar, mas que também não vêm muito ao caso.
O que tenho de confessar é que ler, ver desenho animado japonês e (nas horas vagas) ajudar a tocar uma empresa neste país caótico anda me parcendo muito mais rock'n'roll do que o próprio.
Claro, de vez em quando, trombo meio por acaso com algo mais marcante. Caso recente do Whale, do KMFDM, do Moby, do Helium, dos já devidamente elogiados Elastica, Pizzicato Five e Shampoo. Mas parece pouco.
Claro que o Brasil anda cheio de novidades. Que serão merecidamente coroadas neste vindouro ``MTV Video Awards Brasil", próximo dia 31. Mas não é assim nenhuma coisa para ficar muito excitado.
Se bem que estas novidades incluem a volta de meu amigo Gabriel O Pensador...
Yes! Yes! Agora lembrei o que eu gostava no rock -seu poder de fogo. Construir tem lá seus méritos, mas destruir pode ser um ato de criação, dizia meu velho guru Bakunin...Caramba, faz quase dois anos que ando tentando ser construtivo nesta coluna (com um ou outro leve e pequeno deslize e mais nada). Chega! É hora de um chamado à responsabilidade!
Se não tem mais revista de rock, alguém tem de fazer o trabalho sujo. Preparem a munição, afiem as baionetas...pau na máquina, ferro na boneca...e feliz aniversário para mim!

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