São Paulo, segunda-feira, 14 de agosto de 1995
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Arquiteto condena a criação arbitrária

CELSO FIORAVANTE
DA REDAÇÃO

A relação natureza e arquitetura, tema da mostra fotográfica e da conferência de Paolo Portoghesi no dia 30 de agosto, é uma das preocupações recorrentes na obra do arquiteto italiano.
Em entrevista concedida à Folha, Portoghesi falou da necessidade de ligação entre arquitetura e ambiente, de suas criações preferidas e da necessidade de conceber uma arquitetura para os jovens, que concilie a cultura do corpo com a da mente.

Folha - O sr. diz que as obras são como filhos. Qual deles lhe dá mais orgulho?
Portoghesi - Reconheço que alguns vieram bem e outros, deficientes, deformes. Nem sempre por culpa minha. Fiaretti dizia que a obra é o resultado da cópula entre um homem -que é a pessoa que encomenda a obra- e uma fêmea, que é o arquiteto. Assim sendo, nem todas as culpas são da mãe. Às vezes é do pai, principalmente se ele deixa faltar os alimentos em seu período de crescimento.
Assim, muitas de minhas obras são incompletas. Talvez nenhuma seja completa porque a coisa mais difícil na Itália, principalmente trabalhando no setor público, é convencer os responsáveis a terminarem uma obra.
Existem obras às quais sou muito afeiçoado, como a casa Baldi (1959-1961), encomendada por um amigo cineasta, Vittorio Baldi, que me deu total liberdade para reformá-la.
Frente a este desafio da liberdade absoluta um arquiteto se interroga e deve identificar o seu estilo. A primeira obra livre é algo muito importante.
Mas eu desconfio da liberdade. Não quis fazer uma obra arbitrária, mas uma obra com seu rigor. Encontrei este rigor em sua relação com o lugar onde se localizava.
Um lugar belíssimo, vizinho a uma construção romana. Tentei fazer uma relação entre aquilo que construía, aquilo que já existia, e o lugar onde se localizava, uma colina de onde se vê o campo onde o imperador Constantino (280?-337) travou a batalha de Maxêncio e o rio Tibre. Um lugar de grande sugestão, que fala da gênese da cidade.
É uma arquitetura na direção daquilo que eu chamo a ``poética do ouvir": fazer nascer imagens arquitetônicas do lugar, entendendo por ``lugar" não apenas a natureza, mas também o urbano, com todas as memórias que caracterizam a relação do homem com o lugar ao longo da história.
Também amo muito a mesquita e o centro cultural islâmico (1975-1991). Foi uma oportunidade de construir um edifício monumental em Roma depois de tantos decênios sem arquitetura.
Folha - A arquitetura é a arte que mais intervém na vida do cidadão. Como ela se desenvolve nesses dias tão apressados e desumanos?
Portoghesi - A arquitetura pode fazer muito pelos jovens. O problema que se apresenta hoje é que as cidades não são concebidas para eles e muitas vezes parecem ser concebidas contra eles. A cidade moderna é criada baseando-se nas necessidades dos homens de negócios, que são os líderes da sociedade contemporânea.
As cidades antigas foram feitas para sociedades com uma forte hierarquia, um característica que os jovens também não aceitam e por isso também não se sentem adaptados.
Uma cidade de todos, que seja baseada nos direitos de igualdade e liberdade não existe ainda. Podemos imaginá-la e devemos construí-la, não de uma vez -porque seria utópico-, mas aos poucos.
É muito importante pensar cidades amigas dos jovens, com uma arquitetura que responda às suas necessidades, que relacione a cultura do corpo e a cultura da mente.
Eu sempre percebi a importância de ligar o edifício esportivo ao cultural, como existia na cultura grega, que integrava a biblioteca ao ginásio de esportes. A arquitetura poderia fazer muito neste sentido pois poderia facilitar esta conexão a ponto de influenciar a sensibilidade dos jovens. Algo para não desencorajar o desejo quando ele vai nesta direção.
Os arquitetos deveriam compreender o que desejam as pessoas e dar a estes desejos uma realização na forma de construções. Algo que não respondesse apenas materialmente a esses desejos, mas também de maneira espiritual.

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