São Paulo, segunda-feira, 14 de agosto de 1995
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'É difícil entender a sucessão de eventos passados'

ZECA CAMARGO
ENVIADO ESPECIAL A PARATI (RJ)

Pouco antes de partir para São Paulo no último sábado, para iniciar a minimaratona de promoção de lançamento de ``Era dos Extremos", o historiador falou com exclusividade à Folha.
A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - Há obviamente uma grande excitação da parte de quem vai assistir suas palestras para saber sobre que assuntos o senhor vai se dedicar em um espaço tão curto de tempo.
Eric Hobsbawm - Basicamente minhas palestras vão tratar de um assunto só: a experiência de escrever a história de seu próprio tempo, que é completamente diferente de escrever sobre outro período da história.
Folha - Qual é maior desafio nessa tarefa?
Hobsbawm - Ter uma visão clara do que se escreve. Por exemplo, me lembro de um primeiro ministro inglês ter comentado com o presidente Kennedy, dos Estados Unidos, que a economia da União Soviética deveria crescer mais do que a dos países desenvolvidos do Ocidente. Isso poderia fazer um certo sentido em 61, mas agora...
Folha - Então como o sr. chegou a definir o século que está no seu livro?
Hobsbawm - De alguma maneira, o período entre a Primeira Guerra Mundial e o final dos anos 80 me parece bem definido como um ciclo em várias partes do mundo. Então eu peguei emprestada essa expressão ``o breve século" de um amigo meu e fechei a idéia. Ou talvez não. Quem sabe, se eu viver para ver uma nova edição desse livro daqui a 25 anos, eu não tenha que fazer algumas mudanças?
Folha - Como esse período então é, de certa forma arbitrário, não seria possível identificar séculos ainda menores dentro desse que o senhor definiu?
Hobsbawm - Sim. Eu dividi esse século em três períodos no livro. O primeiro é a ``Era da Catástrofe", compreendida entre as duas Guerras Mundiais, quando parece que tudo que podia dar errado acabou dando mesmo.
Então veio a ``Era de Ouro", que dura até meados dos anos 70, quando o mundo -até mesmo partes do chamado Terceiro Mundo- prosperaram. Depois disso, veio o ``Desmoronamento", que eu acho que continua até hoje.
Folha - Não era possível detectar que o desmoronamento viria já na ``Era de Ouro"?
Hobsbawm - Tudo ia de fato muito bem lá pelos anos 50, talvez com exceção do medo de uma guerra nuclear -que não aconteceu. Mas algumas pessoas começaram a perceber que alguma coisa ia dar errado lá pelo final dos anos 60. E então toda a economia começou a reagir nos anos 70.
Reações começaram a ser detectadas no crescimento econômico dos países desenvolvidos.
Só que não era simplesmente uma questão de voltar aos tempos antigos. O desafio agora era continuar o desenvolvimento, porém encarando de frente os enormes problemas sociais.
Folha - No mundo todo?
Hobsbawm - Até mesmo no Brasil. Quando a crise chegou, as pessoas aqui pensaram: isso deve passar daqui a uns dois anos; é só ir controlando a taxa de juros e ir em frente. Mas não foi bem assim.
Folha - Em ``Era dos Extremos", o sr. diz que, para alguns estudantes, a Guerra do Vietnã é pré-história. As novas gerações não parecem muito interessadas no passado.
Hobsbawm - De certa forma as pessoas gostam de história. Mas muitas delas tendem a encarar a história tudo que vem da Idade da Pedra até o dia em que elas nasceram -e daí colocam isso em um compartimento separado e pronto.
Folha - Isso não é perigoso?
Hobsbawm - É um problema. A maioria dos jovens americanos ou da Europa ocidental parece viver em um estado que pode ser definido como ``presente constante". Para eles, o passado é uma moda, como um rock dos anos 70: você pode usar, mas não há uma conexão orgânica entre isso e sua vida.
Nesse ``presente constante" as pessoas vivem só o dia-a-dia. Ou até o hora-a-hora. Parece que elas não têm mais necessidade de entender a cronologia, como uma coisa leva a outra.
Folha - A televisão tem a ver com isso?
Hobsbawm - TV e o videocassete têm o poder de desestruturar a ordem das coisas. É como se a cronologia não fosse mais importante. Aqui, por exemplo, vocês têm as novelas, onde basicamente a mesma coisa acontece todos os dias, com ligeiras diferenças.
É quase impossível comparar uma narrativa dessas com, por exemplo, um bom romance do século passado -uma história com começo, meio e fim.
Mas a TV não é tão responsável por isso. Não acredito que ela seja parte de uma conspiração. Ela é simplesmente a mídia que passa essa informação.
Com tanta fragmentação, fica cada vez mais difícil de entender a sucessão de eventos passados. Cabe então aos bons historiadores reconstituir tudo em uma linguagem acessível, para que nem só os acadêmicos possam entender.
Folha - O sr. disse que não acha que a TV é parte de uma conspiração?
Hobsbawm - Bem, toda vez que ela é usada para uma campanha de marketing, ela é uma conspiração. Mas como um acessório da tecnologia moderna não acho que ela seja uma conspiração.
Folha - O sr. é um otimista com relação à utilização da tecnologia na sociedade moderna?
Hobsbawm - (risos)Por que sempre perguntam para historiadores o que vai acontecer? Esse não é bem nosso campo.
Folha - Mas o sr. pode dar uma opinião?
Hobsbawm - Acho que não sou pessimista quanto à tecnologia no futuro. Algumas pessoas dizem que no futuro ninguém vai ler um livro. Eu não acredito nisso.

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