São Paulo, segunda-feira, 14 de agosto de 1995
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Desprotegidas em Pequim

SUZANA SINGER

Às vésperas da 4ª Conferência Mundial da Mulher em Pequim -a maior reunião organizada na história da ONU-, deputadas brasileiras lançaram um projeto que obriga todos os partidos políticos a terem pelo menos 30% de mulheres entre seus candidatos. É o que se chama de ``política afirmativa", um instrumento de luta de minorias (ou de grupos que se julgam estigmatizados) em todo o mundo.
Na semana passada, em São Paulo, a antropóloga e primeira-dama, Ruth Cardoso, apoiou o projeto. Ele foi anunciado como uma ``boa notícia" trazida pela sexóloga e deputada Marta Suplicy a uma reunião que discutia ``A equidade entre os sexos". Ninguém na platéia, formada por cerca de 90 mulheres e 5 homens, questionou a proposta.
Hoje, apenas 6,5% do parlamento brasileiro é feminino: são 34 deputadas e 5 senadoras para 555 homens. Por que tão poucas?
As defensoras das cotas dizem que o machismo dentro da máquina partidária impede a ascensão das mulheres. Apostam também no conhecido refrão de que ``mulher vota em mulher": com uma maior oferta de candidatas, o Congresso brasileiro ganharia automaticamente um tom mais feminino.
Nada mais paternalista -para usar um termo que causa horror às feministas. Pressupõe-se que há uma luta entre desiguais, na qual a mulher desempenha o papel do mais fraco, precisando ser protegida.
O PT já adotou medida semelhante a essa: 30% dos cargos de direção do partido têm que ser ocupados por ``companheiras". O que se viu, muitas vezes, foi uma distribuição artificial do poder, em que lideranças frágeis são alçadas a postos estratégicos ou usa-se o artifício de uma líder do partido acumular vários cargos só para atingir a meta.
E se os partidos não conseguirem candidatas suficientes? Duvido que de uma imposição como essa surja por geração espontânea uma grande quantidade de mulheres realmente interessadas na vida pública.
Obrigados a encontrar 3 mulheres em cada 10 candidatos, o mais provável é que os partidos brasileiros -muitos deles simples ajuntamentos de carreiristas- lancem qualquer rabo-de-saia nas próximas eleições.
Dados de Marta Suplicy mostram que as cotas ``deram certo" na Argentina. O país adotou esse sistema em 1991. A participação feminina no parlamento passou de 5% para 13% em apenas dois anos (dado de 1993).
Para quem se contenta com quantidade e acredita que basta ser mulher para defender os interesses do ``gênero" (para usar agora um termo que está na moda), os números são animadores. Seria mais um plano a ser imitado do vizinho.
Que se trata de proteção, ninguém duvida. Os militantes justificam dizendo ser uma política legítima para compensar anos de preconceito. Parece uma questão de escolher o slogan que será levado para Pequim: ``discriminação positiva" ou ``não a qualquer forma de discriminação"?.

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