São Paulo, sábado, 19 de agosto de 1995
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``Woyzeck" introduz teatro de Büchner

MÔNICA RODRIGUES COSTA
EDITORA DA FOLHINHA

O personagem Woyzeck lava o rosto e acaba esparramando excessivamente a água em um cenário sombrio, imenso, quase deserto.
A montagem ``Woyzeck" começa assim, tendo como fundo o eco da narração de um conto de fadas irônico, que trata do sofrimento de Woyzeck, operário-robô transfigurado em animal, de forma humilhante, por um médico.
Woyzeck (Alexandra V. Golik) se submete a experiências científicas desse médico (Raul Figueiredo) em troca de dinheiro.
Tem uma mulher -a prostituta Maria (Heloise Baurich)- que lhe deu um filho ``sem a bênção da igreja", nas palavras do Capitão (Roberto Pellizzari), seu patrão.
Maria trai Woyzeck com um soldado (Pellizzari), e a tragédia finda com a morte do casal.
Para assistir a ``Woyzeck", os espectadores ficam em cadeiras giratórias que se movem para acompanhar as ações no porão do Centro Cultural São Paulo.
``Woyzeck" é um drama de Georg Büchner (1813-1837), com texto traduzido e adaptado por Alexandre Stockler, também diretor do espetáculo.
Não há grandes mudanças em relação à tradução de ``Woyzeck", da Brasiliense, ou dos trechos extraídos de outras peças do autor e acrescentados na montagem de Stockler.
As peças ``Woyzeck", ``Leonce e Lena" e ``A Morte de Danton", usadas, além de ``Lenz" (novela), na adaptação, foram publicadas pela Ediouro.
Também não é necessário muito esforço para gostar de ver o texto de Büchner encenado.
Bchner impressiona, por um lado, pela consciência amarga sobre os fatos de seu tempo -típica dos melhores autores do romantismo- e, por outro, pela atualidade dos assuntos que retrata, sem pieguismos. A pressa, por exemplo.
A característica que Alexandra Golik soube melhor ressaltar em Woyzeck foi a pressa. ``Um homem de bem não fica assim, um homem de bem, com a consciência tranquila", comenta o Capitão sobre Woyzeck.
Trata-se da usurpação do tempo do trabalhador pelo mundo movido a dinheiro. O Capitão insiste em somar e subtrair os meses e os dias da idade de Woyzeck.
Pede que ele faça a sua barba mais devagar, do contrário não saberá o que fazer com o tempo que sobra. Anatol Rosenfeld diz no prefácio da Brasiliense que ``Woyzeck" foi o primeiro drama pré-proletário alemão.
Ainda com toda a água na cara, Woyzeck não acorda. Personagem quase autista, só ouve a si mesmo.
Falta a Golik transmitir a consciência e o determinismo que o texto ressalta. Ela parece delicada em momentos que deveria mostrar dureza ou indiferença.
Heloise Baurich é mais convincente como Maria, carrega uma ironia maior em sua personagem.
O Médico também. Raul Figueiredo incorpora a caricatura expressionista do personagem. Sua voz soa entre a trilha musical (Fábio Cintra) seca, de batidas, sirenes e máquinas de moer concreto.
Há objetos cênicos desnecessários na montagem, como cordas de aço por onde os personagens vão de um lugar a outro, ou os enormes sapatos de lata (dois galões) do soldado, com os quais ele esmaga Woyzeck.
Mas ``Woyzeck" merece ser visto, é uma boa introdução ao teatro de Büchner.

Peça: Woyzeck
Direção: Alexandre Stockler
Elenco: Alexandra V. Golik, Roberto Pellizzari, Maurício Soares Filho, Heloise Baurich e Raul Figueiredo
Onde: Porão, piso 796 do Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000, tel. 277-3611)
Quando: De quinta a sábado, às 21h30, e domingo, às 20h30. Até 10 de setembro
Quanto: R$ 10,00

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