São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Sociedade brasileira mostra sinais de 'americanalhação'

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O historiador Luiz Felipe de Alencastro, 48, vê nos casos da demissão do ex-xerife de preços José Milton Dallari e da intervenção do Banco Econômico sintomas do que ele define como a ``americanalhação" da sociedade brasileira.
Diferente da americanização, que, entre outras coisas, significa uma aclimatação local do espírito republicano e democrático que vige na sociedade norte-americana, a ``americanalhação", em sua perversa criatividade bem brasileira, subverte a ordem das coisas e aponta para a diluição dos limites entre as esferas pública e privada.
Alencastro está licenciado do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), onde é pesquisador, e do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), onde é professor. Desde janeiro mora na França e em Portugal.
Mesmo mergulhado nos arquivos das bibliotecas nacionais de Paris e Lisboa, onde busca material para concluir seu livro sobre a história do trabalho no Brasil, Alencastro diz que não consegue desligar-se da política brasileira.
Informa-se por meio da Internet, dos jornais que recebe dos amigos e das agências de notícias internacionais.
Na entrevista que concedeu à Folha por telefone, disse que a notícia da estatização do Econômico, anunciada na quarta-feira, chegou a Europa como um ato de ``vassalização do governo ao PFL baiano". A seguir os principais trechos da entrevista:

Folha - O fato de o governo ter acenado com a possibilidade de salvar o Econômico, uma instituição privada, mostra que a República por aqui ainda está patinando?
Luiz Felipe de Alencastro - Isso não acontece em países civilizados. Basta lembrar, há poucos meses, o que aconteceu na Inglaterra. A Baring Brothers, a mais antiga instituição de crédito londrina, foi à garra porque não dispunha de uma soma inferior àquela que será gasta para tapar o buraco do Econômico. Soma essa que o governo da Inglaterra se recusou a cobrir por entender que as regras do jogo eram iguais para todos. Os fundos públicos não podiam tapar buracos das instituições privadas aventureiras ou mal administradas.
Folha - O governo é refém do PFL?
Alencastro - Desde o início do governo estamos assistindo ao processo de vassalização do governo FHC em relação ao PFL. Mais isso não é algo tranquilo dentro da burocracia estatal. A ameaça de demissão da cúpula do Banco Central demonstra que essa vassalização, esses conchavos, já encontram resistências no interior da burocracia modernizante. Ou seja, não dá mais para engrupir a opinião pública. Creio que a pesporrência (arrogância) intelectual tucana chegou a um ponto limite.
Folha - E no caso de Milton Dallari? Houve exagero da imprensa ou a sua dupla ocupação, como funcionário público e sócio de uma instituição privada, é mesmo escandalosa?
Alencastro - Esse troço, obviamente escandaloso, é regra no Brasil. É só ver a quantidade de ex-ministros que fazem a vida no setor financeiro privado. A comparação neste ponto com os EUA é esclarecedora.
Folha - Qual comparação?
Alencastro - Não tenho nada a opor à americanização da sociedade brasileira quando isso significar uma adequação ao espírito republicano e democrático da sociedade norte-americana. O que não é possível tolerar é a ``americanalhação", o uso descabido dos macetes ianques de pirataria capitalista. Há legislação específica nos EUA que proíbe ex-altos funcionários de Estado de pertencerem, durante bons anos, a empresas que têm contratos com o governo americano. Nada disso existe no Brasil.
Quando a Rede Globo pode impingir todos os cacoetes das TVs americanas, sem se dobrar a uma legislação semelhante à dos EUA, que proíbe a posse de jornal e TV por uma mesma empresa num mesmo Estado, estamos de novo diante de um caso típico de ``americanalhação".

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