São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Dirceu espera evitar o "ultra-esquerdismo"

Tenho pavio curto com incompetência e falta de ação prática

DA REPORTAGEM LOCAL

O ex-deputado José Dirceu, 49, já foi o homem-forte da máquina petista. Tenta, agora, chegar à presidência do partido.
Dirceu afirma que sua eleição manterá o PT radical, sem ``ultra-esquerdismo". A seguir, os principais trechos da entrevista:

Folha - O que mudará no PT caso o sr. seja eleito?
José Dirceu - Mudam a maioria do PT e também a agenda do partido. Vamos nos contrapor à agenda do governo FHC. Queremos respostas a desemprego, miséria, saúde e educação. Queremos que os diretórios troquem a agenda de luta interna por uma agenda da comunidade.
Folha - Quais os principais problemas do partido hoje?
Dirceu - Em primeiro lugar, a falta de unidade política. Enfrenta também um distanciamento da base de militantes e um estreitamento da base de apoio.
Folha - O sr. é líder do grupo Articulação. Com quem pretende formar maioria?
Dirceu - Tenho procurado dialogar com todos os setores do PT. Pretendo formar uma maioria que reflita um arco de forças de centro-esquerda no PT, capaz de articular a política institucional com a social.
Folha - Se o sr. for eleito, o PT irá mais para o centro?
Dirceu - Não diria que o PT esteja hoje numa posição esquerdista. A maioria que dirige o partido hoje não conseguiu se unificar e dar uma direção ao PT. A disputa hoje se dá mais pelo poder do que por divergências políticas.
Folha - É possível apresentar um projeto alternativo coerente com tantas tendências petistas diferentes?
Dirceu - Terá de ser possível. Para o PT e para a esquerda brasileira. Se não, vamos fracassar.
Folha - O sr. não teme que Lula seja uma sombra para a sua direção?
Dirceu - Lula será sempre a referência do PT, mas o PT tem instâncias. Os governadores do PT e a bancada federal não têm nada a ver com a rainha da Inglaterra.
Folha - Sua eleição contraria quais interesses dentro do PT?
Dirceu - Minha eleição significa o predomínio das instâncias do partido sobre as tendências. Significa que o PT não terá uma posição ultra-esquerdista. Somos de esquerda e radicais, não ultra-esquerdistas.
A oposição que enfrento é de preconceito. Os interesses afetados são aqueles que levaram o PT ao internismo, ao aparelhismo e a uma política muitas vezes ultra-esquerdista.
Folha - Qual a razão das restrições dos grupos mais à esquerda a sua candidatura?
Dirceu - Talvez por ter sido um secretário-geral que fez a maioria do partido existir e o partido ter uma política muito clara. Talvez esse estado de desorganização e falta de maioria interesse a alguns setores.
Folha - Qual a razão de existir uma relação de ódio entre os próprios pestistas?
Dirceu - Isso repete uma tradição da disputa pelo poder. O PT hoje é poder, na sociedade e no governo. Isso acaba rompendo certos comportamentos éticos e de fraternidade. O problema existe mesmo e é preciso banir isso do partido. O Lula tem feito um grande esforço para isso.
Folha - A definição de socialismo do PT continua entravada. É necessária uma definição?
Dirceu - O PT tem responsabilidade histórica, por ser um dos maiores partidos de esquerda do mundo, de fazer um esforço teórico e político para redefinir a utopia socialista democrática.
Não podemos é conviver com o fantasma do stalinismo. Precisamos deixar claro para a sociedade que temos compromisso com a democracia. Não concordamos com o capitalismo que produz exclusão social. O marxismo não deve ser nossa única referência para o PT.
Folha - O seu temperamento explosivo não o atrapalharia?
Dirceu - Amadureci muito no Parlamento e nas campanhas eleitorais. Sou um pessoa de pavio curto com a incompetência e a ausência de ações práticas.
Mas já estou chegando aos 50 anos, sou avô e tenho maturidade para entender que vou dirigir um partido complexo e pluralista.

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