São Paulo, terça-feira, 22 de agosto de 1995
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'Vamos mudar o Brasil, doa a quem doer'

Leia a seguir a íntegra do pronunciamento do presidente Fernando Henrique Cardoso feito ontem em Brasília.

É importante ressaltar esta tão numerosa presença neste auditório. Eu gostaria, antes mesmo de nós começarmos a nossa entrevista, que os senhores e as senhoras me façam perguntas, como fiz das outras vezes, de fazer uma breve exposição a respeito do quadro mais geral, dentro do qual nós estamos aí trabalhando por essas reformas constitucionais.
Em primeiro lugar, como anda a economia do Brasil nesta altura do ano, depois de sete meses de 95, dentro do meu governo.
A inflação, pelo que nós vamos ver aqui no quadro, mostra uma evolução que é muito satisfatória do ponto de vista do seu controle. Isto aí é a inflação feita por trimestre, e vocês podem ver perfeitamente como houve uma queda brusca e como ela se manteve estavelmente em baixa.
O Índice de Preço ao Consumidor da Fipe, da segunda semana de agosto, caiu de 3,38% para 2,68%. Na verdade, se forem verificar os dados dos primeiros sete meses deste ano, a inflação acumulada foi de 12,5% em sete meses.
Essa é a inflação mais baixa em sete meses, na verdade, desde 1973. Então, quanto ao objetivo de estabilização, não há dúvida nenhuma de que nós estamos funcionando de acordo com o previsto.
Caímos de uma inflação potencial acima de 5.000% no ano passado para uma inflação, mantidas as expectativas para o segundo semestre deste ano, de 2% ao mês, ou abaixo de 2%, que não vai ultrapassar 24%, 25% neste ano. É uma queda consistente, porque vem se mantendo de uma maneira estável.
Isso teve efeitos, naturalmente, sobre a renda, sobretudo sobre a renda da população que recebe menos no Brasil. E esse é um dado importante que os senhores podem verificar aí claramente, quando se faz uma relação entre a cesta básica e o salário mínimo.
Vejam que, em julho de 94, o salário mínimo comprava 64%, grosso modo, 65% da cesta básica. Vão verificar que agora, em maio de 95, nós temos lá que a capacidade de compra aumentou consideravelmente. Portanto não só houve um aumento real do salário, como ele se expressa diretamente naquilo que é fundamental para quem recebe o salário mínimo, que é a cesta básica.
Isso é importante notar. Quer dizer, nós, através (sic) desse plano de estabilização, automaticamente estamos cuidando do social no aspecto geral. Por quê? Porque aumentou vigorosamente a capacidade de compra das populações de mais baixa renda. Eu não quero cansá-los com dados, mas há dados abundantes que mostram que, na verdade, os itens de consumo popular continuam em expansão.
Então, houve uma distribuição no perfil do consumidor, embora algumas categorias sociais possam ter seu, não digo seu consumo, suas expectativas de consumo, nas camadas mais altas, restringidas. A verdade é que o povo está comendo melhor, está conseguindo se vestir um pouco melhor, o que tem um efeito muito positivo.
E, mais ainda, essa estabilização e essa distribuição de renda, repito, a maior distribuição de renda possivelmente já havida na história do Brasil, pois bem, ela veio também acompanhada de um crescimento do Produto Interno Bruto.
Um crescimento muito interessante, porque em 95 a economia cresceu 8% no primeiro semestre, comparado com o primeiro semestre de 94. Então houve crescimento da economia, houve melhoria da distribuição de renda, e a inflação continuou baixa. Exatamente como, desde quando eu era ministro da Fazenda, nós dizíamos que aconteceria. E apesar das insistentes observações daqueles que não acreditavam na estabilização de que haveria recessão, de que haveria desemprego, de que haveria perda de capacidade aquisitiva do trabalhador. Foi o oposto o que aconteceu.
Bem, o fundamental para nós divisarmos o futuro é ver a taxa de investimento. E ela continua crescendo. Aí está. Eu devo dizer que esses dados não permitem verificar a taxa de crescimento em anos anteriores, onde (sic) se veria que nós já chegamos a níveis bem melhores até do que os atuais.
Mas a verdade -me refiro a décadas passadas- é que aí está claríssimo que nós retomamos os investimentos e que, portanto, nós temos uma perspectiva de futuro.
Veja, nós estamos nos aproximando de novo -eu não enxergo bem daqui- a 17% do PIB, a 18,5% do PIB. É claro que isso ainda é muito pouco. E, se nós formos ver, o investimento público caiu dramaticamente no Brasil, e o investimento estrangeiro também tinha caído. Então, nós estamos recuperando, e é fundamental que se recupere com velocidade, essa taxa de investimento, que é isso que vai assegurar o fundamental, que é o quê? É o emprego.
Eu peço que mostrem aí o gráfico do emprego. Vejam a taxa de desemprego, taxa média dos últimos 12 meses. De novo, o primeiro semestre de 95 foi o de mais baixo índice de desemprego de que nós temos registro. Então, no global, houve um aumento de emprego, a expansão do emprego, e, no global também, isso se explica porque houve aumento da taxa de investimento.
Isso não quer dizer que não haja problemas, de que em um ou em outro setor não haja eventualmente desemprego, que em um ou em outro setor não haja problema para o empresário, porque há. Que uma ou outra categoria da sociedade não esteja se sentindo prejudicada, porque está. Que não haja problema na agricultura. Que não haja problema na indústria de autopeças.
Há problemas, e o governo está atento, está ajustando. Mas, no global, quando se vê o conjunto, o Brasil tem rumo, e o rumo está sendo expressado aí por esses dados, com muita tranquilidade, com muita clareza.
E devo dizer que nós conseguimos afastar o fantasma de uma crise cambial, como no início do ano podia parecer, em função da questão que ocorreu no México. E afastamos o risco do aumento da inflação.
Nós conseguimos neste ano não apenas manter os objetivos centrais do plano de estabilização do Plano Real, como nós conseguimos também evitar algumas ameaças que vieram de fora do sistema internacional e que poderiam ter tido como consequências a retomada da inflação e uma crise cambial.
Eu peço que mostre aí os gráficos sobre a balança comercial que aí estão, que vão verificar que o saldo da balança comercial, que vinha sendo afetado desde antes, ali, podem verificar que já vinha desde antes, havia uma perda na balança comercial desde o ano passado -outubro, mais ou menos.
Nós vamos verificar novembro e dezembro com mais força, vamos verificar que agora em julho nós recuperamos. E só não tivemos uma recuperação mais forte em junho porque houve uma importação forte de petróleo, e os efeitos das medidas sobre os automóveis não tiveram tempo de se fazer sentir. Daqui por diante, a recuperação vai se fazer com mais clareza.
Bem, evidentemente, isso tudo significa que nós temos uma economia com o horizonte definido, o governo controla a situação, sabe o que deseja, o Brasil respalda o que o governo está propondo, e nós estamos fazendo com que a economia e a sociedade criem condições de um futuro mais estável e melhor.
As taxas de juros já estão baixando, e os compulsórios também já estão sendo afrouxados. Por quê? Porque eram medidas transitórias, que foram adotadas para justamente obter os resultados que eu estou mostrando hoje. E que a gritaria a respeito de ``vai haver recessão, a taxa de juros está na lua", embora a gente entenda as razões delas pelos setores que estão diretamente afetados, não são suficientes para mostrar outra coisa senão que o governo atuou e que, se houve uma freada no crescimento econômico, essa freada foi feita conscientemente. Quem tem a capacidade de frear também tem a capacidade de, no momento adequado, ajustar de tal modo que nós retomemos o ritmo que nos pareça o ritmo mais adequado.
Agora, nós precisamos continuar criando condições para um crescimento sustentado, isto é, um crescimento que não faça um ziguezague, um ano cresce, o outro ano cai, tem recessão, tem crescimento, ``stop and go", como se dizia na Inglaterra com relação à inflação.
Aqui não é esse o processo. É um processo diferente, é um processo no qual nós prestamos atenção às condições de crescimento. E agora estamos com muita nitidez vendo que é necessário um esforço adicional, porque nós não queremos simplesmente estabilizar a economia. Não nos satisfaz apenas dizer que efetivamente a camada de mais baixa renda já tem condição um pouco melhor de vida.
Nós precisamos agir muito fortemente na área social para que eu possa cumprir as promessas de campanha no que diz respeito a emprego, que estamos procurando manter. Estamos atentos a isso. A questão da agricultura, que, da mesma maneira, sabem todos os percalços que ainda continuam, mas que o governo está enfrentando.
A questão da educação, a questão da saúde, da segurança. Tudo isso requer recursos, recursos fiscais, para que nós possamos levar adiante, como vamos levar -no mês que vem, falarei sobre reformas sociais- adiante essas reformas sociais dentro de um crescimento sustentado.
É nesse contexto que o governo está propondo ao Congresso as reformas, e eu queria falar um pouco sobre essas reformas.
Primeiro, a reforma tributária.
Vou falar muito rapidamente, porque o Brasil já sabe qual é a situação atual, e que nós podemos ver por aí que a carga tributária tem aumentado. Eu vejo pouco daqui, mas aí se vê também, e pode se ver já, no gráfico sobre a partilha da receita disponível, que a União perdeu receita em termos proporcionais.
Esse é um fato indiscutível, os dados vão ser distribuídos aos senhores, e vão ver que a União vem perdendo proporcionalmente receitas. Muito bem, além disso, o que é mais dramático é que a parte da receita da União que é disponível diminui e diminui dramaticamente.
Por isso, nós já propusemos o Fundo Social de Emergência em 94 e estamos propondo ao Congresso a continuidade desse fundo, sem o qual nós não teremos recursos para administrar o Brasil.
Vejam lá a renda disponível para 95: é de R$ 4,3 bilhões, realmente é uma coisa muito pequena. Ali está, R$ 4,3 bilhões.
Por que isso? Pelo já sabido, porque na verdade a maior parte das despesas incide sobre pessoal e Previdência. Eu peço que se mostre aí o gráfico, que é muito claro, e se vêem quais são as despesas que incidem sobre o pessoal e Previdência, grosso modo, vê-se que a parte de pessoal e Previdência é de 30%. Eu não diviso claramente daqui...
Pedro Malan - 32% e 30,6%.
FHC - 32% e 30,6% das despesas. Vejam que, realmente, e aí há um outro dado muito interessante, é a distribuição entre o pessoal ativo e inativo, onde se vê um crescimento grande do pessoal, um peso grande dos inativos no conjunto dos gastos e um aumento muito grande também dos gastos da Previdência. Praticamente o Orçamento da União, os impostos que o país inteiro paga, que os contribuintes pagam, eles são impostos que vão ser usados para pagar pessoal, grosso modo, é um terço da receita da União que vai para pessoal e para gastos previdenciários.
Depois eu farei algum comentário sobre essa matéria, mas o que sobra realmente, depois das transferências constitucionais para os Estados e municípios, livre para a União, é muito pouco. É impossível administrar o Brasil de uma maneira adequada com essa quantidade de recurso disponível.
Quero esclarecer também um dado, que aí eventualmente não está aparecendo ainda, mas ainda hoje eu vi no jornal, atribuído a um assessor da Câmara, de que nós gastaríamos 60% dos recursos em pagamento do serviço da dívida. Não é verdadeiro. O pagamento do serviço da dívida é, grosso modo, de cerca de R$ 15 bilhões sobre R$ 111 bilhões de Orçamento global, e, desses R$ 15 bilhões em termos efetivo de caixa, na verdade, são R$ 9 bilhões, cerca de R$ 9 bilhões, porque há também as rendas que as reservas asseguram ao Brasil.
Então, é preciso não confundir, porque eu ouço isso com muita frequência, e esse dado não é verdadeiro. É muito alto, não estamos contentes em pagar R$ 9 bilhões, mas de qualquer maneira eu vejo sistematicamente afirmações que não têm a menor base, porque então seria muito fácil, ou melhor, seria muito difícil, ao mesmo tempo, mas se teria um alvo claro. Esse alvo existe, é preciso reduzir o serviço da dívida, mas, na verdade, também não vai resolver, porque os dados continuam muito apertados.
Diante disso, para que nós possamos ampliar os gastos na área social, nós temos que, efetivamente, partir para uma reforma tributária. E estamos enviando essa reforma tributária nesta semana.
Quais são os objetivos dessa reforma tributária? Aí estão os objetivos claramente: é a simplificação do sistema tributário, ou seja, o quanto possível, transferir para a lei complementar medidas que hoje estão engessadas na Constituição. É o combate à sonegação e é a promoção da justiça fiscal. Isso requer a possibilidade de requisição dos dados bancários, o fechamento das brechas no ICMS, a redução dos tributos sobre a cesta básica, o fortalecimento dos impostos diretos, a transferência do ITR para os Estados, para que nós possamos penalizar melhor (sic) as terras improdutivas.
E é preciso, sobretudo, buscar o item que está ali em terceiro: melhoria da competitividade do parque produtivo, ou seja, eliminação de impostos que incidem sobre as exportações e sobre os bens de capital.
E nós temos também que apoiar a expansão e a modernização da produção pecuária, dando um tratamento especial aos insumos para a agropecuária em termos tributários.
E tudo isso requer também uma certa harmonização fiscal em todo o território brasileiro, de modo que a alíquotas dos novos impostos aos quais já vou me referir serão uniformes, por mercadorias ou serviços, em todo o território nacional.

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