São Paulo, terça-feira, 22 de agosto de 1995
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"Vamos mudar o Brasil, doa a quem doer"

Existem algumas medidas que têm aplicação imediata. Aí estão: é a eliminação da incidência do ICMS sobre as exportações de produtos primários e semi-elaborados.
A desoneração dos bens de capital, máquinas e equipamentos, que são indispensáveis à modernização do nosso parque produtivo e aos investimentos. A isenção de insumos utilizados na agropecuária e a redução do ICMS da cesta básica de alimentos.
Isso não é de imediato uma reforma constitucional, porque isso requer uma negociação em nível de Estados, mas, na medida em que nós façamos, como vamos fazer, e o Congresso, espero, que será sensível a isso, um grande esforço de redução de impostos nessas matérias fundamentais, é claro que nós vamos ter que compensar os Estados, se algum Estado, por exemplo, com a eliminação do imposto de exportações, tiver prejuízo. Da mesma maneira, nós vamos ter impostos de importação de tal maneira que nós vamos acabar com uma desigualdade entre o produto importado e o produto que é produzido no Brasil, e os Estados vão ter um acesso a essa complementação, a essa compensação.
Eles vão ter a disponibilidade de utilizar o Imposto Territorial Rural também para compensá-los e nós vamos ter de, com o fechamento das brechas que hoje existem no ICMS, nós vamos naturalmente conseguir com que haja uma maior arrecadação.
Já está anunciada pelos jornais qual vai ser a mecânica desse novo tributo, que é um tributo que vai significar o seguinte: a extinção ou a assunção do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) pelo ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços).
O ICMS incidirá sobre a mesma base tributária com duas alíquotas: uma alíquota federal, outra alíquota estadual. As alíquotas serão iguais, do modo como vão ser arrecadadas.
A máquina federal se mantém, e a estadual também, e vão convergir, vão cooperar. Isso vai obrigar a um esforço de integração dessas máquinas, e, ao invés de uma dar as costas para a outra, ao contrário, essas máquinas vão servir para, juntas, incidindo sobre a mesma base, aumentar a arrecadação, porque vai aumentar significativamente a fiscalização.
Bem, nós vamos manter a autonomia estadual para a administração desse imposto, mas nós vamos naturalmente simplificar muito o sistema, na medida em que nós teremos só -em vez de ter IPI e ICMS-, vamos ter só ICMS, uma alíquota federal, uma alíquota estadual. E, é claro, os que entendem de sistema tributário sabem que isso vai apontando progressivamente para, no futuro, quem sabe poder se incorporar mais impostos para simplificar ainda mais a partir dessa visão.
A base desse novo imposto é idêntica à do ICMS. Inclui mercadorias, serviço de comunicação e de transporte interestadual e intermunicipal. As alíquotas serão uniformes em todo o território nacional, e as estaduais serão fixadas pela maioria de três quartos do Senado. Todas as importações serão tributadas, e todas as exportações serão desoneradas do tributo.
Bem, isso é matéria árida, técnica, diz respeito a como é que se vai aumentar a arrecadação, como é que se vai atuar de modo -e eu insisto nesse ponto- a que essas propostas constitucionais não afetem -nem nós queremos que afetem- os Estados, municípios e União. Ela será neutra nos seus efeitos. E, se algum efeito negativo houver, haverá uma compensação, para que se possa sanar essa dificuldade.
Mas nós não podemos pensar só nesses termos. Além das iniciativas que há na Câmara, e algumas que são complementares a essas reformas, em termos de ICMS, de vários deputados e que estão sendo coordenadas na subcomissão da Comissão de Finanças da Câmara, nós enviaremos agora em agosto uma nova legislação sobre Imposto de Renda de pessoa jurídica.
Eu insisto em que normalmente os governos enviavam em dezembro, não dando tempo a uma reflexão maior. Era tudo votado a toque de caixa, e não havia propósito senão o de cobrir deficiências das receitas do governo.
Desta vez, não. Desta vez, nós partimos do seguinte: o sistema atual é complexo, ele é bastante, às vezes, até mesmo confuso, requer muitos registros, uma burocracia pesada nas empresas. E acontece que, como consequência de tudo isso, na verdade, embora as alíquotas tenham aumentado, a verdade é que a massa de recursos arrecadados, através (sic) do Imposto de Renda de pessoa jurídica, caiu.
Nos anos 70 era 1,66% do PIB; nos 80, 1,38%; nos 90, 1,27%. Ou seja, nós estamos fazendo um sistema complexo do qual resulta, na verdade, um não-aumento da arrecadação. Aumentamos a alíquota e não aumenta a arrecadação. Então, o governo resolveu enfrentar essa questão.
Dos 4 milhões de empresas registradas, apenas 750 mil recolhem Imposto de Renda. De 4 milhões, 750 mil recolhem o Imposto de Renda. E, como o imposto vem caindo, daí esses dados, que, de vez em quando, desaparecem por unidade de empresa. Não se chega a mais do que R$ 600, algo assim, menos de R$ 700. Isso não quer dizer que as empresas grandes paguem R$ 700 por mês, claro. É que as empresas no seu conjunto, a maioria dessas 4 milhões, não pagam. Então, as que pagam pagam bastante, mas na média dá uma arrecadação muito baixa ``per capita". Bem, e apenas 500 empresas respondem por 50% do Imposto de Renda de pessoa jurídica.
Nós vamos simplificar de uma maneira muito forte esse mecanismo. O nosso objetivo é que a alíquota máxima, que hoje é de 43%, essa alíquota não seja superior a 30%. Me refiro à alíquota máxima. Nosso objetivo é esse.
Mas, para chegarmos a isso, estamos tomando várias medidas: em primeiro lugar, nós também, além disso, queremos dar ao capital de risco o mesmo tratamento dado ao capital de empréstimo, ou seja, permitir a dedução de lucros e dividendos nos resultados da empresa, assim como ocorre nas deduções dos juros.
Isso é muito importante. Nós estamos saindo de um capitalismo especulativo, em que não havia senão vantagens na especulação, para uma outra forma de organização da economia, em que o setor produtivo possa ser compensado pelo capital de risco. Não há por que deduzir quando se paga juros e quem não paga juros não ter a mesma vantagem do que aquele que paga juros.
Também vamos procurar buscar uma neutralidade no que diz respeito ao capital estrangeiro e ao capital nacional, não os discriminando. Nós vamos ter de ajustar todo o sistema fiscal à estabilização da economia.
É preciso, para isso, chegar à extinção da correção monetária para fins fiscais. Esse é um ponto importante. Eu cansei de ouvir discursos dizendo que nós estávamos desindexando os salários e não o capital. Não é verdade.
Nós estamos desindexando tudo. E por isso temos insistido tanto em que é importante que o Congresso preste atenção quando for votar a MP relativa aos salários. Nós estamos acabando com a inflação, mostrei os dados. Nós temos um horizonte de investimentos, mostrei os dados. Nós temos condições de expansão de crescimento econômico, estamos num momento, portanto, de levar a economia do país a uma indexação global.
Nós já começamos a modificar nas taxas de juros, nos fundos que foram criados pelo Banco Central, pelo Conselho Monetário Nacional, a dar tratamento diverso ao curto prazo, ao médio prazo e ao longo prazo, no que diz respeito à remuneração.
Nós estamos acabando com a valorização de área que existia dos ativos financeiros. É muito importante que agora também se estenda esse mesmo procedimento à questão fiscal, porque senão nós vamos dar uma vantagem imensa realmente, através (sic) da dedução via chamada correção monetária, ao capital, em detrimento do objetivo, que é o objetivo de assegurar a desindexação e a estabilização da economia.
Se nós conseguimos isso -estamos analisando juridicamente a questão-, aí sim nós podemos, como disse, reduzir muito fortemente as alíquotas do Imposto de Renda de pessoa jurídica. E também vamos reduzir a dedutibilidade ou mesmo eliminar de certas despesas, que são benefícios para os escalões mais altos dos executivos das empresas: viagem, hospedagem, representação, porque tudo isso acaba sendo uma maneira de evadir o Imposto de Renda.
Ou seja, o governo está dando o mesmo tratamento, igualitário, que está dando à parte fiscal, e à parte de grande capital, juros, e à parte relativa à questão dos salários. Nós estamos preparando o país para uma economia estável e não-inflacionária. Isso é fundamental. Eu tenho certeza de que o Congresso ao receber essa proposta vai melhorá-la, vai perceber a importância de tudo o que está acontecendo no Brasil, as reformas que já estão em marcha, e nós todos temos de ter consciência de que não é um ato de governo, não é uma medida que vai para o Congresso apenas, é um processo.
Isso vem vindo de algum tempo, de alguns meses ou talvez até de mais de um ano, porque nós estamos preparando o Brasil para esse processo de estabilização, de crescimento sustentado, para que nós possamos realmente avançar mais.
Dito isso sobre a reforma tributária, eu também quero dizer o seguinte: nos preocupa enormemente, e sobretudo aos governadores e prefeitos, a reforma administrativa.
Por quê? Porque não há reforma tributária capaz de gerar recursos para fazer frente aos gastos crescentes com pessoal, sobretudo, inativo.
Um dos governadores que se reuniu conosco na semana passada disse que a folha de salário de seu Estado cresce vegetativamente 3% ao mês. Anualizado, um sobre o outro, dá 45% ao ano. Como é que se vão gerar receitas de 45% adicionais ao ano? É inviável, marcha-se para uma crise fiscal.
Outro governador... não foi um só governador que disse isso, quase todos disseram isso. Disseram mesmo que é mais importante a reforma administrativa do que a reforma tributária.
A reforma tributária, como eu mostrei aqui, é um começo, mas não é um começo complacente, não é um começo que não tenha efeito, não é um começo tímido. É um começo que abre portas efetivas para uma mudança de mentalidade no que diz respeito ao sistema fiscal brasileiro.
Faremos também algumas deduções de dispêndio, mas são mais técnicas essas propostas, e eu não quero discuti-las agora aqui, questão de Orçamento etc. Mas, na questão de pessoal, os governadores e os prefeitos reclamam muito, porque eles não têm como fazer face ao crescimento da folha. E, mais ainda, houve um governador que me disse que ele tem um funcionário que ganha R$ 4 mil e que, ao se aposentar, vai passar a receber R$ 19 mil.
Bem, nós vamos ter que enfrentar essa questão na reforma administrativa e na reforma previdenciária.
Na reforma administrativa, como eu já disse aqui, o gasto de pessoal corresponde a um terço dos, na União, gastos. Existe uma limitação dada hoje, uma Lei Complementar da Constituição que põe um ``top" no que é possível constitucionalmente gastar com o pessoal.
Muitos Estados vão ultrapassar esse ``top". Não tem como realizar o imperativo constitucional se nós não adequamos a legislação a essas exigências constitucionais.
Nós temos situações em que não só é muito mais do que um terço do que se gasta com o pessoa, muito mais, em muitos Estados chega a 70%, 80%, se aproximando em alguns casos de 100%, como nós temos alguns casos. No geral, é uma pessoa na atividade para uma na inatividade.
Esse é um limite que já está chegando ao esgotamento das possibilidades do Estado brasileiro nos seus três níveis. Daqui a pouco, vamos ter, para cada dois funcionários em atividade, um na inatividade.
A União gasta este ano cerca de R$ 37 bilhões, ou seja, US$ 40 bilhões com o pessoal. Entre funcionários ativos e inativos da administração direta, nós devemos ter 1,1 bilhão de pessoas, metade, 570 mil, mais ou menos, funcionários em atividade.
Não é tanta gente. Mas, na inatividade, pelas regras brasileiras, o funcionário ganha em média mais do que quando está em atividade. Nos próximos cinco anos, têm possibilidade de se aposentar cerca de 35% a 40% dos funcionários da União. Aí, nós vamos estar numa situação de insolvabilidade. Cabe ao governo da República responsavelmente propor medidas para fazer frente a isso. Os governadores nos pediram e nós vamos enviá-las.
Eu direi apenas, de passagem, algumas dessas medidas, mas a situação é de injustiça social, inclusive porque os inativos da União ganham mais do que todos os aposentados do INSS. Ou seja, a massa de trabalhadores brasileiros não tem esse mesmo tratamento, há uma injustiça social aqui. Essa situação grave nos leva, portanto, a combater privilégios. Como fazer isso?
Eu quero repetir com toda tranquilidade: eu não tenho a visão, nem o governo tem, no que diz respeito à União, de que nós tenhamos um funcionalismo excessivo. Não. Há até falta de pessoal em muitos setores. Há inchaço noutros setores.
Eu não tenho a opinião de que esse funcionalismo não precise de carreiras, de que não precise de melhores salários, porque o que é mais dramático é que o dispêndio é enorme e o salário de cada um não é tão grande, e em muitos até muito pequenos, muito baixos.
Por quê? Porque há privilégios, porque há o peso dos inativos, porque há os pensionistas, que são descendentes dos que trabalharam. Tudo isso faz com que a massa de recursos seja enorme, mas que cada funcionário não ganhe bem. Ao contrário, ganha mal.
Nós temos que progressivamente corrigir para criar carreiras melhor remuneradas, um pessoal mais treinado. Não se trata de passar um rolo compressor sobre os funcionários, de perseguir funcionários, de dispensa em massa. Nada disso. Na União, isso não é necessário.
Agora, nós precisamos ter regras mais adequadas para acabar com certos privilégios e, sobretudo, revisar certos conceitos.
Por exemplo, existe um conceito aqui relativo à questão do Regime Jurídico Único. Na verdade, o propósito era o melhor possível. Teve como resultado uma deformação flagrante.
Qualquer aumento que se dê num pedacinho do setor público se generaliza para todos, e se mantêm as desigualdades internas, ninguém reduz.
Todo mundo fala em distribuir a renda, mas, quando se vai falar em redistribuir a renda, quer se manter a diferença de níveis de renda. E, para distribuir a renda sem aumentar enormemente o produto, não é possível manter as diferenças entre os níveis de renda.
Para melhorar os de baixo, tem de segurar um pouco os de cima. Nós vamos ter de enfrentar essa questão.

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