São Paulo, terça-feira, 22 de agosto de 1995
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Olho no Gingrich

ALDO VIEIRA DA ROSA

Que tal se o recrutamento de professores de matemática da USP fosse na base do seu desempenho em uma corrida de 400 metros rasos? A universidade teria grandes atletas, mas, quase certamente, péssimos professores.
Mas isso é o que acontece quando selecionamos nosso presidente ou nossos congressistas. Eles têm de ganhar a corrida eleitoral, mas não precisam demonstrar sua capacidade administrativa ou legislativa. Elegemos os mais elegíveis, não os mais competentes.
Tal problema era bem menos importante na democracia helênica da qual descendem todas democracias modernas. Em Atenas do século quinto (antes de Cristo), decisões políticas e administrativas eram, mesmo em suas minúcias, tomadas pela assembléia de todos cidadãos (mas não das cidadãs). Era uma democracia direta, possibilitada pelo pequeno número de eleitores e limitada a uma só cidade, minúscula comparada com as de hoje.
Em um país moderno, com milhões de votantes, a democracia tem de ser representativa; os representantes têm de ser escolhidos entre os que têm habilidade de convencer o seu eleitorado.
Pode, no entanto, acontecer que um bom atleta seja um grande matemático ou que um bom político seja um grande líder. Talvez esse seja o caso de ``Newt" Gingrich que, desde novembro passado é, como presidente da Câmara, o terceiro homem na hierarquia do governo americano, depois do presidente e do vice-presidente da República.
Gingrich é um republicano, isto é, um conservador, e alcançou o poder quando o pêndulo da política americana, que ocasionalmente oscila um pouco para a esquerda, tomou ultimamente um impulso acelerado para a direita.
Nos EUA, o partido democrata se equaciona com uma posição microscopicamente liberal e o republicano, com uma posição microscopicamente conservadora. Mas pelos padrões de outros países, ambos são partidos centristas.
Democratas são por mais governo e mais taxas, republicanos por menos governo e menos taxas. Durante 12 anos republicanos liderados por Reagan dominaram a Casa Branca enquanto, durante estes últimos 40 anos, democratas controlaram a Câmara. Agora tudo deu uma reviravolta. Clinton, um democrata, é presidente, e o Congresso (Câmara e Senado) virou republicano.
Simultaneamente, está ocorrendo uma intelectualização do governo. Até há pouco tempo políticos escondiam, quando possível, sua formação acadêmica, talvez na esperança de se apresentarem como ``homens do povo". Agora ocorre o contrário e um número de políticos confessa ter um doutorado.
Assim, o ministro da Defesa é na verdade o dr. William Perry, um ex-professor de Stanford. O diretor da CIA é o dr. John Deutch. O líder da maioria na Câmara é o professor Richard Armey e o professor Newton Gingrich ainda ensina na universidade. Como bom professor, Gingrich, no seu discurso de posse, sugeriu à audiência a leitura de uma série de livros sobre história americana e ciência política.
Gingrich, que antes era o líder da minoria e que fez carreira dando pedradas no governo, agora virou apaziguador e anuncia a todos que o melhor presidente americano neste século foi Roosevelt, um democrata liberal.
Apesar do regime ostensivamente presidencialista, Gingrich arrebatou de Clinton a posição de definidor da política americana. Ao assumir sua nova responsabilidade lançou, como prometera, seu ``contrato com a América" e em cem dias forçou a aprovação de um número de projetos de lei revolucionário.
Foram aprovados pela Câmara, entre outros, projetos que dão a capacidade de veto parcial ao presidente. Até então, havia o costume de enxertar em leis importantes, como o orçamento anual da República, artigos completamente não-relacionados, como por exemplo a construção de uma piscina na cidade representada por um deputado poderoso. O presidente ou aceitava tudo ou vetava tudo, deixando o país sem orçamento.
Aprovou também uma lei que força o Congresso a seguir as leis do país. Por incrível que pareça, o Congresso até então não era forçado a obedecer às suas próprias leis. Proibiu leis populistas que obrigam os Estados a tomar providências onerosas, a não ser que recebam do governo federal os fundos necessários.
Passou uma emenda constitucional (que morreu no Senado) obrigando o equilíbrio orçamentário. Previsivelmente, das ações prometidas, só foi derrotada uma reforma limitando a duração do mandato dos parlamentares. No geral, Gingrich orientou o país para uma direção que reduz a ingerência federal e devolve aos Estados sua autonomia.
A melhor prova de que a orientação de Gingrich encontra ressonância entre o povo está na repentina alteração da plataforma democrática que subitamente se ``republicanizou". Os republicanos propuseram um plano para equilibrar, dentro de sete anos, o orçamento nacional, cronicamente deficitário.
Clinton, que anteriormente não tinha plano algum para tal equilíbrio, classificou a proposta republicana de cruel e disse que a idéia dele era de alcançar o mesmo objetivo em dez anos. Quando isso não despertou grande entusiasmo deu um abatimento e agora diz que nove anos são suficientes.
Democratas, em defesa própria, estão adotando pontos de vista mais conservadores ou simplesmente virando a casaca (desde novembro último, oito deputados e senadores passaram de democratas a republicanos).
Entre os mais ávidos pseudo-republicanos está o próprio presidente Clinton, um político bem conhecido por talhar suas posições de acordo com o vento do sentimento popular. Expoente da ibopecracia, Clinton é acusado de vacilante.
Na era pré-Gingrich a tendência era de aumentar constantemente os gastos do governo, incorrendo em um crescente déficit anual que já acumulou vários trilhões de dólares de dívida. A geração do presente estava gastando dinheiro que a geração dos nossos filhos e netos terá de pagar. A continuar as coisas como iam, dentro de poucas décadas mais da metade da arrecadação federal teria de ser usada para pagar os juros.
Gingrich é polarizante. Há os que o admiram e os que o detestam, mas praticamente não há indiferentes. Ao contrário de Clinton, ele é homem de idéias e de ação, dotado de imensa energia. Um candidato perfeito para as eleições presidenciais do ano que vem.
Mas será que ele vai oferecer seu nome? Com franqueza incomum diz que gosta da atenção da imprensa tentando descobrir seus planos. Isso o fortalece como modelador da política americana. Diz que, se houver um vácuo, ele se apresentará. Vamos ficar de olho para ver qual é sua definição de vácuo.

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