São Paulo, quarta-feira, 23 de agosto de 1995
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Maluf tem necessidade de ser criticado

MARCELO COELHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, quer desapropriar um terreno nos Jardins para construir uma praça. Detalhe: O terreno está a poucos metros de sua residência particular.
É claro que isso valoriza a propriedade de Paulo Maluf. Mas eu me recuso a acreditar que o motivo da desapropriação seja tão mesquinho. Maluf já é rico o suficiente. Sua casa já é espetacular o bastante e já vale muito, de modo que a iniciativa de desapropriar um trecho das redondezas não parece estar dirigida pela vontade de lucro.
Por que, então, Maluf quer desapropriar esse terreno? Acho que Maluf se deixa mover por uma razão secreta. Ele sente a necessidade de ser criticado. Ninguém ignora o quanto de ódio já foi despejado contra ele. Maluf sente falta disso.
Precisa de uma suspeita, ridícula que seja, de corrupção. É espantoso: durante anos se falou das corrupções de Maluf. Agora, ele está na prefeitura e nada se invoca contra ele.
Imagino o seguinte: Maluf sempre se sentiu injustiçado no íntimo. Suas idéias políticas, sua concepção de como administrar, sua prepotência, eis um conjunto de coisas que foi gradativamente aceito pela população.
Chamar alguém de "malufista", até há pouco tempo, era uma espécie de xingamento. Hoje, ninguém mais se lembra do que o termo significa. Maluf perdeu a identidade diabólica que tinha.
Claro, ele gosta de obras públicas. Traça viadutos, inventa arranha-céus no lugar de favelas, destrói a Vila Olímpia e o Itaim, impõe a São Paulo uma modernidade brutal e triunfante.
Paulo Maluf será um prefeito memorável. Mas isso não parece ser suficiente para ele. O caso psicológico é complexo.
O povão, como se sabe, gosta de obras espetaculares, Maluf tratou de fazê-las. Dentro da estupidez geral da sociedade brasileira, ele está certo.
Coitada da Luíza Erundina, que acreditava fazer uma administração popular cuidando da merenda e dos desabrigados, investindo em educação. Popular, mesmo, é o doutor Paulo, que constrói túneis e viadutos. O povão adora.
É triste pensar no quanto a esquerda tem de pedagógico, de otimista, de construtivo. E de impopular. De algum modo, não se sabe bem por que, o povão prefere o administrador que "faz" coisas, inaugura viadutos, estradas, palácios até.
Paulo Maluf se elegeu sob o signo das obras públicas. Ele "faz", como Adhemar ou Juscelino. A cidade está de pernas para o ar.
Desconfio que os miseráveis eleitores gostem disso, não pelo construtivo da administração, mas pelo lado inverso, o da destruição.
Talvez vejam em Maluf não o engenheiro, mas o revolucionário: no sentido em que seu poder de destruição, de ser um arrasa-quarteirões, corresponde obscuramente aos impulsos destrutivos, ressentidos, niveladores da maioria dos cidadãos. A popularidade de Maluf estaria assim explicada. Não é das maiores, aliás, segundo recentes estatísticas. Pouco importa. Pois Maluf tem de ser ao mesmo tempo impopular. Polêmico, revoltante.
Jânio Quadros já sabia disso: quando mais antipático, quanto mais individualista, mais apoio conseguia das massas anônimas. Jânio sabia que estava automaticamente dando um nome, uma força às massas que nem nome nem força tinham.
Todas as suas esquisitices, assim, se justificavam eleitoralmente: eram maneiras de dar pessoalidade estranha à impessoalidade e às frustrações do eleitorado.
Maluf aprende com Jânio. As blitze contra restaurantes, o paternal empenho pelo uso do cinto de segurança, a campanha antifumo são formas de mostrar não só a presença de um prefeito na cidade, mas também formas de fazer desse prefeito um assunto constante.
Em última análise, é por falta de assunto que Maluf quer desapropriar o terreno nos Jardins. Maluf consegue ser criticado com isso: em termos de marketing, é ótimo.
Saíram fotografias de Maluf, na semana passada, mostrando a quem quisesse ver os resultados da operação plástica a que ele se submeteu. Estamos presenciando um avanço.
Ele está fugindo da imagem que tinha. A de um robô do regime militar, repetidor de chavões com voz metálica, incapaz de encarar honestamente o interlocutor.
Mas o longo processo de digestão de Paulo Maluf traz consigo uma ambiguidade. Ele pode melhorar sua imagem física, sua imagem política. Mas não pode deixar de ser Paulo Maluf. Tem de continuar despertando críticas da população. Tem de continuar a ser o "corrupto", o odioso "turquinho" que durante tanto tempo excitou o ódio dos paulistanos -e dos brasileiros em geral, que nele sempre localizaram os defeitos típicos do paulista.
Desapropriando o terreno -e não há nenhum argumento decente em favor de sua desapropriação -Maluf reencontra sua vontade secreta: a de ser contestado, polemizado, odiado por todos.
Depende do ódio geral para se eleger. Fala de amor em suas campanhas, busca mais beleza com plásticas e lentes de contato, quer ser visto de forma renovada pela população. Há muito tempo já não o odeiam. Mas ele parece sentir falta disso. Quer ser odiado.
Quer ser discutido e contestado, inventando uma praça onde ninguém precisa de uma. Seu sucesso popular o frustra ocultamente. Tem saudades do tempo em que era odioso. É um provocador. Faz o possível para provocar todo mundo. Percebeu que isso rende voto. Os incomodados que se mudem. E quem se irrita com isso faz o jogo dele.

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