São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 1995
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Autonomia universitária: um apelo

ROBERTO ROMANO

As universidades públicas de São Paulo produzem saber e técnica estratégicos para a vida socioeconômica brasileira. Com elas os governos têm meios para enfrentar doenças coletivas como a Aids. Sem as faculdades médicas muitos políticos já teriam morrido como resultado de uma parada cardíaca.
Mas os nossos dirigentes possuem memória curta e coração pequeno. Deixada a UTI, eles tudo esquecem e ameaçam o fluxo de caixa para a pesquisa. A saúde pública no Estado de São Paulo seria mais lamentável sem os hospitais universitários. Para eles, os políticos adoram enviar eleitores, ganhando votos com a miséria alheia.
Mas se descomprometem por sua manutenção de modo cínico. Não há um setor econômico que não receba benefícios acadêmicos. Os usuários, do Estado ou da sociedade civil, gostam dos frutos, mas se recusam a encarar os custos das investigações.
Desde o governo Quércia, a gestão autônoma, acadêmica e financeira foi atribuída às universidades paulistas. No decreto daquele governador estava embutida uma armadilha. A participação no ICMS diminuiu em termos reais, deixando as reitorias com recursos insuficientes para grandes tarefas. Depois enfrentamos a pequenez do Executivo que chegou, no final do período Fleury, a reter parte das dotações na Secretaria da Fazenda, o que atingiu duramente o cotidiano acadêmico.
Nem os mais pessimistas esperavam o golpe de misericórdia aplicado no orçamento dos campi pelo governador Covas. Aconselhado por auxiliares que não possuem responsabilidade para com a pesquisa e o ensino o governador, diante das aporias financeiras temporárias, aplicou às universidades o único método que parece conhecer.
Diminuem os recursos do Estado? Arranque-se verba de quem possui menor poderio político. Como as universidades não se organizam enquanto partidos, aptos a responder à propaganda e ao arbítrio em tempo rápido, os administradores paulistas sentem-se à vontade para destruir um patrimônio elevado por gerações de pesquisadores e docentes. Com tristeza notamos que o atual governo despreza a dignidade científica. É notória a truculência com que ele age contra a cultura e a universidade.
Desde o começo de 1995 fiquei sabendo -as fontes são protegidas- do que se tramava na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias): governador e áulicos consideravam demasiada a verba atribuída às universidades.
Alertado por pessoas éticas do governo, procurei os líderes das associações docentes, passando-lhes o informe. Um deles só conseguiu dizer, em tom dogmático: ``O Covas jamais faria isso!". O governador fez ``aquilo", o impensável para quem defende a pesquisa científica. A LDO foi aprovada na Assembléia Legislativa, no dia 1º de julho último, com um corte violento dos recursos para as universidades.
Mantem-se o percentual de 9,57% do ICMS, mas limitado ao que foi recolhido em 1995, mais 25% do valor excedente a tal cifra. Se os dirigentes sindicais pouco fizeram para deter as ações mesquinhas do governo, as reitorias seguiram a mesma estrada. Durante toda a elaboração da mensagem à Assembléia só apareceu um artigo do reitor da Unicamp nesta coluna da Folha.
O reitor da Unesp, Arthur Roquete de Macedo, foi a única autoridade acadêmica que procurou debater a fundo o problema com os deputados e responsáveis pelo Executivo. Mas suas ações, sem respaldo ``interna corporis" nas três universidades, foram impotentes. Cito suas palavras no último ``Jornal da Unesp": ``Apesar da gravidade da situação, não senti mobilização por parte dos docentes e funcionários na luta pela manutenção do percentual em vigor".
Entre as causas dessa apatia considere-se a greve traumática do ano passado, que definiu uma falta absoluta de diálogo entre autoridades universitárias e professores. O fim brutal da greve, sem negociações, deixou os acadêmicos em um estado de ânimo que ajudou os alvos imediatos das reitorias -vencer a todo custo-, mas desmoralizou os docentes.
Essa é uma lição a ser aprendida por todos: sem respeito mútuo nos campi a instituição inteira perde força e agilidade. Deveríamos responder unidos ao chamado dos reitores para agir junto às lideranças políticas e à opinião pública. Mas, se o diálogo com os nossos próprios dirigentes mostrou-se impossível, como enfrentar políticos alheios ou hostis aos trabalhos intelectuais?
Deixemos o passado. Precisamos iniciar a luta pela consolidação legal da academia através de um ato da Assembléia Legislativa. Analisando a lista de votação da LDO notamos que já existe, naquele Parlamento, um número apreciável de representantes abertos à questão universitária. Dentre eles merece especial destaque a bancada do Partido dos Trabalhadores.
Urge definir uma colaboração entre universidades e deputados, preparando o diploma legal que assegure, de fato e de direito, a autonomia financeira para as universidades públicas. Só desse modo os cientistas estarão livres das ingerências e oscilações do Executivo.
Que reitorias e professores se unam nesse alvo maior. Simultaneamente, procuremos os deputados e membros dos outros Poderes -Executivo e Judiciário- na busca de respostas eficazes. Caso contrário, estaremos sendo cúmplices do atentado que hoje se efetiva contra os nossos laboratórios, bibliotecas e salas de aula. Os frutos dessa insânia surgirão já no próximo ano.

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