São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 1995
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Na corda bamba

PAUL SINGER

A intervenção do Banco Central nos bancos Econômico, Mercantil e Comercial desencadeou mais uma vez intensa discussão sobre o destino dos estabelecimentos de crédito quando não vão bem e quem deve arcar com o prejuízo, se prejuízo deve haver.
Como o governo federal decidiu agora, sob pressão das bancadas parlamentares da Bahia, reverter o fechamento dos referidos bancos, permitindo que continuem operando mediante garantias oferecidas pelos governos estaduais, uma grita imensa se ergue contra a ``incoerência" do governo, que deveria fechá-los, assim como o Banespa e o Banerj, para que o sagrado dinheiro público não venha a ser usado para ressarcir prejuízos privados.
Essa grita se inspira no liberalismo (hoje redivivo) que considera o banco um negócio qualquer e os seus usuários -correntistas, aplicadores- como especuladores, que deveriam saber os riscos que correm quando colocam sua reserva monetária em tal estabelecimento. Ora, toda história moderna dos bancos tem sido a persistente procura de meios para que isso não seja assim.
A criação dos bancos centrais, o estabelecimento da fiscalização bancária, das reservas compulsórias depositadas no Banco Central como porcentagem do passivo do banco, do redesconto oferecido pelo Banco Central para aliviar crises de liquidez -tudo isso só faz sentido se for para oferecer ao público instituições absolutamente seguras para depositar suas reservas, que são constituídas, em sua vasta maioria, não para especular, mas para se garantir contra contingências imprevisíveis.
Em qualquer país moderno, e certamente no Brasil, os bancos são muito mais que firmas privadas intermediadoras de empréstimos. Eles formam um sistema público de emissão de moeda -o depósito bancário- que desempenha um papel orientador central, como uma espécie de sistema nervoso da economia como um todo.
Grande parte do excedente social passa pelos bancos e financia investimentos e transações, dos quais dependem o bem-estar da população e o desenvolvimento do país. Mas, e o risco? Não é verdade que cada investimento e cada transação financiados podem não se completar, acarretando a perda dos créditos concedidos?
Sim, só que esses riscos não são (como parecem pensar os liberais) a contrapartida da liberdade de iniciativa, do direito de cada um usar e até abusar da parcela do produto social que lhe cabe como propriedade. Esses riscos decorrem da informação deficiente e da coordenação falha dos agentes não-especuladores.
Como escreveu Keynes há quase 60 anos, o sistema que transforma a poupança de muitos em investimentos de alguns não precisa funcionar como um grande cassino. Cabe ao governo e ao seu Banco Central estar presente no processo de concatenação entre reservas e ampliação da capacidade produtiva para que os agentes privados percebam que o processo tem orientação e se possa assim evitar decisões aleatórias, sujeitas a grande margem de erro.
Infelizmente, não é o que nossos governos têm feito. Eles se encontram no mercado de capitais apenas para girar suas dívidas e estão privatizando quase todo setor produtivo público, de modo que a iniciativa privada deixa de ter uma ampla frente de inversões estatais em energia, transporte, saúde, educação, ciência e tecnologia e previdência que lhe sirva de norte para seus próprios investimentos.
E, para coroar, nossos últimos governos têm praticado arrocho de crédito para ``esfriar" a demanda, que acarreta ampla quebradeira de pequenas e médias empresas e de consumidores, cuja inadimplência não pode deixar de afetar os bancos. E quando alguns deles perdem liquidez (capacidade de honrar as próprias dívidas), a falta de garantia aos depositantes e correntistas espalha o pânico, cada pessoa que toma conhecimento do fato (ou boato) corre para retirar suas reservas antes que seja tarde -o que torna a dificuldade inicial uma verdadeira catástrofe.
Se o governo fecha o banco, garantindo as reservas dos clientes apenas abaixo de um limite reduzido (R$ 5.000,00), milhares e talvez milhões de inocentes pagam pesado, não só arcando com perda de depósitos, mas também com a ruína de negócios e a eliminação de empregos.
Mas, e se o banco quebrar por culpa de sua diretoria, que usou o dinheiro dos depositantes e aplicadores para favorecer mutuários não-confiáveis ou, pior ainda, para financiar governos em fim de mandato? Ora, nesse caso que paguem os culpados, os diretores inescrupulosos, se ficar provado que o foram, e os que deveriam acompanhá-los e coibi-los por parte da autoridade monetária (BC).
Mas os ex-diretores nada sofrem, pois tiveram todas as informações em tempo para poder colocar suas reservas em lugar seguro. Quem sofre são os que confiaram no sistema público de bancos do país e são sempre informados depois que nada mais há a fazer.
FHC acerta ao permitir a sobrevivência dos bancos. Resta a dúvida, suscitada pela ambiguidade do Planalto, de que o gesto não seja pra valer, que as garantias exigidas do governo da Bahia sejam tão altas que não possam ser fornecidas.
Seja como for, não dá para tomar ACM como referência para nós, seus adversários, nos posicionarmos contra só porque ele é a favor. No caso do Econômico e dos outros bancos sob intervenção a prioridade deve ser dada aos interesses dos usuários e da população em geral.

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