São Paulo, sexta-feira, 25 de agosto de 1995
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A culpa pela violência vem da Suíça

HAROLDO MARANHÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Fala-se muito mal da violência no futebol brasileiro. Esse, ao menos, não é problema só nosso. Foi importado da Inglaterra no século passado, juntamente com as duas bolas de couro que o paulista Charles Miller, filho de ingleses, trouxe para ver se o esporte pegava. Pegou.
E pegou tão bem que temos até vocabulário próprio -assassino, açougueiro, carniceiro- para expressar a guerra que explode tíbias, perônios e outros ossos.
Nosso ministro Pelé sempre considerou o pai jogador melhor que ele, o celebrado Dondinho, do Atlético-MG.
O pai do ministro foi inutilizado para o futebol por um pontapé na rótula. Mais: o esquecido goleador Valdemar de Brito, da seleção na Copa de 34, foi quem descobriu em Bauru o predestinado filho de Dondinho e o levou para o Santos, com 15 anos. Pois, em Buenos Aires, o descobridor do Rei do Futebol teve o joelho estragado por um pontapé platino. Não é preciso cavar fundo porque dois exemplos na biografia do ministro dos Esportes mostram que a violência não foi inventada pelos becões truculentos de hoje.
Em 1919, a Associação de Cronistas Esportivos de São Paulo já se reportava a expressões correntes no linguajar futebolístico: cama-de-gato, tourada, marreta, entrada de lenha. Tudo para exprimir lances de jogo bruto, de golpes dolosos de chuteira, de torcedores agredindo fisicamente o juiz, antes dos alambrados. Adversário já era considerado inimigo.
É possível identificar onde mora a culpa por todo esse descalabro traumatológico, diante do qual reclamam todos em todas as línguas. O órgão deliberativo tem domicílio em Zurique, na Suíça. É o International Board. Desde o século passado, o International Board legisla imperialmente sobre a chamada Lei do Jogo.
As preciosas 17 regras sempre foram alteradas muito levemente, aqui e ali, nesses últimos cem anos. Se o videoteipe provar que um juiz errou na validação de um gol, valerá sempre essa decisão, contra cujas marcações não há recurso, e pronto, acabou-se, não se fala mais nisso.
Aí entra o presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele não sabe, mas tem, na questão da violência, imbatível autoridade política. Vou lhe fazer uma revelação: ele preside o único país do mundo que é tetracampeão mundial de futebol. Pois é.
Se o presidente da nação tetracampeã sugerir um encontro, pessoal, com o International Board, não tenha dúvida de que haverá a maior concentração de jornalistas de todos os tempos, capaz de lotar dois ou três Maracanãs.
Com o luxo gestual que a cátedra lhe deu, mostrará, em telão, documentário da insânia no futebol. E pedirá aos venerandos conselheiros esta providência simples como a bola: que façam por expulsar do jogo os trogloditas autores de carrinhos faltosos, de trancos à traição, de infrações covardes. Basta a introdução de uma frase na regra 12. E permitam-me meter minha colher de sobremesa: expulsão do autor do carrinho e pênalti contra o time do infrator.

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