São Paulo, sábado, 26 de agosto de 1995
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Leia o discurso do presidente

Leia o discurso do presidente

Leia o discurso do presidente Fernando Henrique Cardoso realizado ontem no Palácio do Planalto.

Senhor ministro da Previdência e Assistência Social, dr. Reinhold Stephanes.
Senhores ministros de Estado aqui presentes.
Senhor governador do Estado de Mato Grosso, Dante de Oliveira.
Senhor vice-governador de Pernambuco,
Senhores e senhoras Parlamentares,
Senhora secretária de Assistência Social, dona Lúcia Vânia,
Senhoras e Senhores,
Eu quero aproveitar a oportunidade da assinatura que realizei neste ato para cumprimentar muito vivamente o ministro Stephanes e a secretária Lúcia Vânia, por terem levado a bom termo este importante aspecto da remodelação do Estado brasileiro.
E, ao cumprimentá-los, gostaria também de reafirmar o que disse o ministro Stephanes e fazer uma consideração adicional àquelas que eu já venho fazendo habitualmente, para chamar a atenção para o fato de que nós estamos mudando as estruturas do Estado brasileiro.
Repito o que tenho dito nos últimos meses, parece que água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Nós estamos efetivamente processando uma transformação na organização do Estado brasileiro. Essa transformação não se verifica apenas, embora seja fundamental também, através de emendas constitucionais, nós já as enviamos, pelo menos algumas.
Enviaremos outras, pouco a pouco. Não se trata apenas de fazer com que haja uma alteração do quadro legal fundamental. Trata-se de muito mais do que isso, de uma mudança de mentalidade e de forma de comportamento. E eu, se ainda estivesse na universidade, teria muito gosto em discutir com os meus companheiros intelectuais a respeito da falta de imaginação.
Eu vejo com frequência referências a um conceito, que nem chega a ser conceito, neoliberalismo. Por que não falam de uma política neo-social, que é o que nós estamos fazendo, ao invés de inventar e se perderem em conceitos vazios, que não se aplicam a um país como o nosso, no qual o Estado tem de ter um papel fundamental para recompor não só a economia, mas também a sociedade!
Ao invés de discutirem no vazio de palavras que não têm expressão prática nenhuma, a não ser, talvez, agradar aos pobres de espírito. Por que não discutem o que é necessário, o que é uma política neo-social. Por que neo? Porque nós não queremos mais o clientelismo. Porque nós nos cansamos de dizer que é tudo para o social e, mesmo querendo ser, não conseguir ser, porque o Estado, dentro dele mesmo, não tem condições de avançar se não houver um entrosamento com a sociedade. É o que nós estamos fazendo.
Em cada aspecto das políticas sociais do governo, o que nós estamos procurando fazer, o ministro Stephanes está fazendo neste momento, é justamente ampliar os canais de participação da sociedade na condução das políticas públicas.
Não se trata mais de pura e simplesmente pedir um favor ao governo ou de pedir que o parlamentar seja o intermediário desse favor. O parlamentar se cansou disso também. Ele está construindo um outro espaço de atuação. Um espaço de atuação em que a reivindicação é global, é universal, é política. Não é o favor para este ou para aquele. E o governo não está disposto também a fazer favor a ninguém, porque é uma indignidade considerar favor aquilo que é um direito do cidadão.
O que o governo está fazendo é criar os canais para que o cidadão tenha os seus direitos reconhecidos e para que ele próprio, através de suas organizações, participe na discussão e na distribuição, quando for o caso, dos recursos para o atendimento dos reclamos da sociedade. É essa a nova visão. É neo-social, não é neoliberal.
Neoliberal é um conceito de quem não tem imaginação. De quem não vê a realidade, copia. É o mimetismo. Pensam que estamos na Inglaterra. Meu Deus, não vêem que pelo menos o clima é diferente. E temos outras diferenças, melhores até do que as que podem ter nascido em outros países como na Áustria, que aliás foi a pátria de tal conceito. Já se esqueceram disso.
Não é isso, o Brasil é outra coisa, é uma realidade mais difícil, cheia de problemas que têm de ser atendidos, sim, pelo Estado, mas não pelo Estado bem patrimonialista, nem clientelista, ou seja, nem pelo Estado que confunde aquilo que é a Fazenda do Estado com a fazenda pessoal, e aí existe aquela ligação lamentável, que termina por fazer com que os recursos públicos sejam carreados para bens privados. Nem é o Estado clientelista, ou seja, o Estado que atende um conjunto de pessoas que, despossuídas de condições de sobrevivência, são manipuladas pela intervenção política para que elas obtenham algum recurso.
Nós não temos nem forma do Estado, nem a outra. Mas temos o Estado, sim, que tem de estar atento à questão social, que tem de estar atento às políticas sociais, que não pode cruzar os braços e dizer ``deixa que o mercado resolve", porque o mercado não resolve isso, nem vai resolver aqui, nem na China. Aliás, na China é onde não resolve mesmo.
Pois bem, nós estamos reconstruindo as formas de Estado, fazendo com que esse Estado seja cada vez mais ativado pela sociedade. Fazendo com que através dos Conselhos e não é só esse programa não, em todos os programas que estamos organizando há conselhos locais que definem também os critérios objetivos. Não adianta acabar com o clientelismo no governo federal para criá-lo no governo municipal ou no governo estadual, porque não é o que nós queremos. Nem adianta libertar o município da tutela federal para enganchá-lo na tutela do Estado, porque nem todos os governadores são como o Dante, alguns poderiam querer utilizar mal essa faculdade. Não é isso não. Nós estamos organizando mecanismo de participação efetiva, para que a participação deixe de ser uma palavra proferida, às vezes agressivamente, mas no vazio, para ser uma palavra concreta.
Eu gostaria muito de ver, ministro, que nesse primeiro encontro que o ministro vai fazer na área social, que pensassem sobre essas questões, que esquecessem os slogans e pensassem. Pensar não é fácil não, é difícil, mas é bom, ajuda. Quem pensassem sobre a realidade e que ajudassem o governo a avançar nesta realidade de políticas neo-sociais, ou seja, que tem a política social um conteúdo novo, e o novo é esse entrosamento com a sociedade, é essa definição de critérios objetivos, é esse afastamento do clientelismo e da prepotência nas práticas.
E que prestasse atenção, eu aproveito a oportunidade para reafirmar o que disse o ministro, que um programa de renda mínima, aí sim, onde ela pode ser aplicada limitadamente, que é para atender ao idoso, que não tem recurso, e atender ao portador de deficiência, que não tem recurso.
Aí, tem de existir efetivamente uma ação direta do Estado, em termos de renda mínima, e é o que está sendo proposto. Vai ser difícil, vai ter de separar, vai ter de criar organizações que evitem -como eu já disse aqui- o clientelismo, onde haja a participação da sociedade mas nós estamos construindo um Estado mais saudável, um Estado onde realmente haja essa ligação mais genuína, entre a sociedade e os seus representantes, os funcionários, que outra coisa não são senão servidores desse próprio povo que aí está.
Eu cumprimento a Lúcia Vânia, cumprimento o ministro, a todos, que eu sei que são muitíssimos, a dona (...), que aqui está, que se preocupam com essa questão social, e fico feliz em ver que nós vamos dar continuidade a uma série de programas que são necessários e nós tivemos de quebrar uma estrutura e nós quebramos. Nós quebramos uma estrutura, que era uma estrutura que, independentemente da vontade das pessoas, se tornou por ser um ralo da República, porque jogava dinheiro fora, não sabia o que ia fazer e era clientelismo. Essa estrutura do Estado federal, agora, vai ser mínima. Mínima, não que para ser mínima ou interesse pelo social, mas para ser máximo, para que seja possível que realmente a sociedade em (...), com essa estrutura mínima, disponha dos recursos.
Eu convido a todos portanto, a continuarem nessa política neo-social, que é o que o Brasil necessita.
Muito obrigado aos senhores.

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