São Paulo, sábado, 26 de agosto de 1995
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Impunidade, insegurança e jogo de cena

PAULO SÉRGIO PINHEIRO

Os clubes de futebol, ao tentarem eximir-se de qualquer responsabilidade pelos tumultos e conflitos violentos, fazem de conta que os espectadores, as torcidas, são dispensáveis.
E, no entanto, a relação entre os jogadores, seus clubes e as torcidas organizadas é irrecusável. Por participação direta ou por omissão, os clubes devem assumir suas responsabilidades pelo que acontece em campo. Inclusive pelas consequências materiais da violência no enfrentamento das torcidas.
Não adianta agora culpar as vítimas, apenas criminalizar as torcidas ou desandar a baixar determinações imediatistas e improvisadas. Proibir as camisas sob a alegação de que com elas os torcedores se sentem onipotentes é recorrer a psicologismo barato: a identificação será buscada por hinos ou outros símbolos. E fazer vista grossa às condições miseráveis de vida da maioria dos jovens e crianças torcedores, seu abandono pelo Poder Público, a ausência de perspectivas de vida e de emprego.
Esse sentimento de onipotência de torcidas violentas vem sendo construído há anos pela incompetência dos clubes e pela omissão das autoridades em punir e coibir os crimes no meio do campo. No campeonato de juniores fica patente a responsabilidade da Prefeitura de São Paulo, que autorizou a realização de partida em um canteiro de obras sem as condições de segurança necessárias. Estoques acessíveis aos torcedores de paus e pedras foram transformados facilmente em obras. O Ministério Público e as vítimas devem responsabilizar criminalmente e civilmente a prefeitura.
Mas cabe aos clubes a parte maior da responsabilidade por esses desastres. Os dirigentes dos clubes têm instrumentalizado as torcidas, instigado a rivalidade entre elas. Esses empresários do futebol têm definido a escolha de estádios e a organização do calendário dos campeonatos mais pelos interesses de seus lucros do que pelo lazer dos torcedores.
Se, para as torcidas, o futebol cada vez mais se torna um pretexto para a guerra, para os dirigentes as partidas contam mais pelos ganhos materiais que pelo conforto e segurança dos espectadores.
Esses lucros das empresas-clubes de futebol devem ser mais destinados para a definição das condições de segurança dos estádios. É escandaloso o contribuinte tolerar que o governo, especialmente as forças policiais, tenham de sacrificar recursos destinados a garantir a segurança da população em geral para policiar eventos de massa pagos e privados como jogos de futebol, shows, competições de automóveis.
Ainda que a função de segurança caiba ao Poder Público, é urgente descobrir formas (além das contribuições quase simbólicas que os clubes fazem) de colaboração entre o Estado e esses empreendimentos privados para assegurar a pacificação no decorrer das partidas. Chega de jogo de cena para a galera.

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