São Paulo, sábado, 26 de agosto de 1995
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Era estrangeiro e me acolhestes

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

O fenômeno migratório constitui um dos maiores desafios à vivência da fraternidade cristã. É uma realidade complexa que deriva de conflitos e guerras, procura de trabalho e de abrigo por questões políticas.
Em todo o mundo calcula-se que há 100 milhões de imigrantes por razões econômicas. Acrescentem-se a esses mais 20 milhões de refugiados.
O fluxo migratório é intenso na América Latina e muitos buscam acolhida no Brasil. São centenas de milhares de irmãos bolivianos, chilenos, paraguaios, peruanos e de outros países, obrigados a deixar suas terras por pressão política ou necessidade econômica.
As atuais medidas recessivas de caráter neoliberal causam o desemprego de muitos que procuram nosso país, Argentina e Venezuela.
Que problemas enfrentam os migrantes? O primeiro é de ordem jurídica, por falta de documentos. Quando termina o prazo concedido a turistas, a permanência torna-se ilegal.
Começa, então, o drama de quem passa a viver no anonimato, com medo de ser descoberto, multado e deportado, sujeitando-se, por isso, a condições desumanas de moradia e trabalho, com dificuldade para tratamento de saúde e educação dos filhos.
Diante dessa situação constrangedora a Igreja no Brasil une-se a outros organismos para defender e promover a pessoa do refugiado, exilado e excluído.
Criou, há 16 anos, o Serviço Pastoral dos Migrantes, SPM, nas grandes cidades e regiões de fronteiras.
No dia 19 de agosto de 1995 o cardeal d. Paulo Evaristo Arns presidiu, em São Paulo, a instalação de nova paróquia especial para imigrantes da América Latina, confiada aos missionários e missionárias de São Carlos.
Na mesma ocasião foi publicado um opúsculo com o título ``Apelo da Igreja para a acolhida solidária", dedicado especialmente aos migrantes latino-americanos no Brasil.
As citações bíblicas são frequentes sobre o dever de acolher o migrante, recordando ao povo hebreu o tempo de exílio. ``Amarás o estrangeiro, porque fostes estrangeiro na terra do Egito" (Dt 10,17).
Jesus Cristo se apresenta como galileu, não-recebido em sua própria pátria. Valoriza o samaritano, a cananéia e ensina a descobrir no rosto cansado e humilhado dos migrantes sua própria face (Mt.25,35). Seu mandamento de amor ultrapassa nacionalismos e fronteiras geográficas, culturais e religiosas.
O papa João Paulo 2º tem reafirmado com vigor: clandestino ou não, ``todo homem tem direito de possuir uma pátria, na qual se encontre como em sua casa própria para se realizar numa perspectiva de segurança, confiança, concórdia e paz" (mensagem de 31/7/92).
Neste ano dos excluídos cabe à Igreja assumir, com zelo renovado, a Pastoral dos Migrantes, cujo primeiro dever é a acolhida generosa e fraterna, mostrando que todos somos irmãos, iguais em dignidade.
Em segundo lugar, será preciso garantir a assessoria jurídica, abrindo acesso à cidadania, promover condições dignas de vida, solidariedade e participação amiga nas comunidades, respeitando a diversidade de culturas e assegurando catequese, acompanhamento e celebrações litúrgicas adequadas.
Na perspectiva de nossa legislação é o momento de aperfeiçoar a Lei dos Estrangeiros e de conceder aos indocumentados o benefício da anistia.
Lembremo-nos dos milhares de brasileiros que migraram para outros países. Peçamos a Deus que sejam bem recebidos e que nos ajude, em nossa pátria, a acolher como irmãos os que escolheram viver entre nós.

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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