São Paulo, sábado, 26 de agosto de 1995
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Apóstolo às avessas

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Uma empresa de investimentos está patrocinando a pregação de um padre americano, Robert Sirico, que nos anos 70 participava de passeatas ao lado de Jane Fonda e hoje enaltece o mercado como referência básica da sociedade. Evidente que prega o neoliberalismo -e a empresa privada o financia nesse apostolado às avessas.
Tenho experiência pessoal dessas passeatas dos anos 60 que se prolongaram pelos 70. Fui a uma única delas, a primeira por sinal. Levei Otto Maria Carpeaux no meu carro. Quando vimos os intelectuais que iriam participar da manifestação (alguns deles vendiam ingressos para um show não sei mais de quem), voltamos para casa.
Estavam ali por causa dos refletores e do ibope. Já eram neoliberais, mas não sabiam que eram neoliberais. Achavam que a causa da ocasião (ser contra o regime militar) era o ``mercado" que deveriam defender e cultuar.
Temos entre nós o caso do ex-frade Leonardo Boff. Ele também foi pelo Cristo libertador. Depois, quando o mercado passou a ser a ecologia, ele descobriu o Cristo ecológico, um redentor preocupadíssimo com o mico-leão e as baleias. Breve teremos o Cristo do mercado, o Cristo precursor do Milton Friedman.
Se analisarmos a biografia dos arautos do neoliberalismo que nos assola, veremos que quase todos participaram, física e simbolicamente, das passeatas dos anos 60 e 70. E exceção é o Roberto Campos, que quase chegou a padre e sempre defendeu o mercado.
Do jeito como o padre Sirico fala, tem-se a impressão de que o Brasil saiu de um regime stalinista e só agora começa a desfrutar as delícias da liberdade que enfim raiou sobre nós.
A eficiência do mercado, cujo emblema poderia ser o Banco Econômico, é o novo totem que deslumbra o povo das passeatas. E enquanto o Brasil não se tornar um imenso varejão, o governo neoliberal continuará nomeando incompetentes e corruptos para gerir o Estado: a culpa será apenas do Estado.

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