São Paulo, domingo, 27 de agosto de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Animaaaaaaaal!

MARCELO LEITE

Compare as duas belas fotografias ao lado. Na primeira, de 13 de novembro de 1994, a torcida organizada corintiana Gaviões da Fiel dá um show coreográfico inofensivo. Na outra, tomada no último dia 20, palmeirenses e são-paulinos se entregam a uma erupção neandertalesca de violência, capaz de envergonhar todo aquele obrigado a compartilhar com essa gente a mesma espécie animal.
Animal no mau sentido, que fique claro, já que desse mundo estranho do futebol vem também a acepção calorosa do adjetivo. Todo jogo é uma sublimação de comportamentos violentos, embates viris. Ainda assim, é difícil de compreender um campo em que, para saudar a elegância apolínea de um drible à Edmundo, se desentala um berro pré-histórico: "Animaaal!"
Mesmo execrando esse gênero de involução, comprei uma briga com a Redação da Folha por causa da primeira imagem. O jornal cismou de descrevê-la como "réplica de saudação nazista". Depois, fez uma pseudo-retificação, na qual dizia que ela só "lembrava" os nazistas. Inconformado com o que me parecia uma pirraça, critiquei o jornal em minha coluna de 27 daquele mês.
Muita gente entendeu que era uma defesa da Gaviões. Não era. Era uma defesa do direito desse pessoal -por mais boçais que seja ou pareça- ser tratado justa e objetivamente pela Folha.
Que fique bem claro, porém: repudio o comportamento animal -no mau sentido- desses jovens embotados. Abomino sua virilidade equivocada e sua estética bovina. Acho até que a imprensa tem sido branda ao tratá-los.
Os jornais estão fazendo um bom trabalho, é importante dizer, no caso da batalha do Pacaembu. Isto vale sobretudo para o caderno Esporte da Folha, que vem tentando puxar o fio da meada de responsabilidades, um emaranhado que parece não ter fim.
Apesar de complicado, o caso não pode deixar de ser dissecado. Para estudantes de comunicação de São José do Rio Preto, na última terça-feira, dei como exemplo da objetividade possível em jornalismo um quadro inteligente publicado naquele dia à pág. 4-1, "De quem é a culpa" (reproduzido abaixo das fotos).
Esta "arte", como se diz no jargão jornalístico, registra de modo perfeito -vale dizer, completo- os vários lados da questão. Mas não se limitou a designar cada um dos atores do drama (prefeitura, clubes, polícia e torcidas). Teve o cuidado, ou a esperteza, de mostrar que para cada um deles também há duas faces, acusação e defesa.
A conclusão a tirar desse quadro é que uma solução depende de todos os envolvidos, juntos. E que o futebol é importante demais para ser deixado nas mãos desses incompetentes e trogloditas.

TV e vida inteligente
Preste atenção no caderno TV Folha, que circula aos domingos. Duas reportagens recentes evidenciam que o suplemento parece libertar-se, enfim, da receita mais óbvia (programação, resumos de novelas, bastidores).
Primeiro, TV Folha esmiuçou as afinidades eletivas -no mau sentido- entre a Rede Manchete e o prefeito paulistano, Paulo Maluf. Título da capa da edição do último dia 6: "A Manchete malufou".
Na semana passada, a reportagem mais importante só aparecia na pág. 5: "Público acha que Globo apóia FHC". Até aí, nada de novo. Novos eram os dados colhidos pelo Datafolha em meio a 1.080 paulistanos: para 55% deles, a emissora de Roberto Marinho é a que mais apóia o presidente Fernando Henrique Cardoso, seguida pelo SBT (12%).
O texto do repórter Armando Antenore comentando a pesquisa, muito perspicaz, termina citando as mudanças recentes na área de jornalismo da Globo e deixa claro que elas só ocorrem por influência do público:
"(...) o jogo de cena já está feito. E o que o motivou não tem nada a ver com a ética jornalística ou com o súbito arrependimento diante de erros passados. Tem a ver com o mercado, com a briga cada vez mais acirrada por pontos no Ibope".
Viva o mercado.

Epidemia de desinformação
Deu na Folha de anteontem, pág. 1-12, seção Ciência:
"A OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou oficialmente ontem que acabou a epidemia de febre hemorrágica no Zaire, causada pelo vírus Ébola. Iniciada no começo do ano, a epidemia matou 244 das 315 vítimas que foram registradas".
Exatas oito linhas. Nada mais mereceu o óbito da doença mais comentada dos últimos anos, depois da Aids.
Onde estão os milhares de mortos do microrganismo letal que se transmitia pelo ar? E a pandemia aeronáutica?
O ataque do ombudsman ao vírus jornalístico apareceu na coluna "Chega de Ébola e Internet", de 28 de maio. O Ébola já foi, sem deixar rastros, mas o tititi internético cede lugar para o do Windows 95.
É a mais nova mania de uma imprensa embasbacada com maravilhas que no fundo só fazem inverter o princípio do despachante. Criam facilidades para vender dificuldades.
Noites em claro. Casamento em crise. Manuais em profusão. Aplicativos em polvorosa. Conhecimento útil em retirada.
Imprensa em festa.

ACM e RP
Na coluna da semana passada, pus a honrada categoria dos relações-públicas em companhia duvidosa. Afirmei que o imperador da Bahia poderia terminar como relações-públicas de um banco quebrado.
Minha intenção não foi pejorativa, mas a referência certamente terá sido entendida assim. Por isso, dou razão ao leitor que se queixou em nome da profissão e me penitencio pelo lapso politicamente incorreto.
Por falar em ACM: agora na muda, o combativo senador vai conseguindo tudo o que quer do Banco Central que tanto vituperou. Não me parece que a imprensa esteja deixando isso tão claro quanto no momento em que a vitória "da Bahia" foi proclamada no berro.

Texto Anterior: OPINIÃO DA FOLHA
Próximo Texto: NA PONTA DO LÁPIS
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.