São Paulo, domingo, 27 de agosto de 1995 |
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Magia negra
OSIRIS LOPES FILHO Não pude assistir à entrevista do presidente FHC, por ocasião da apresentação do projeto de reforma tributária a ser encaminhado ao Congresso. Realmente, lamento não ter visto o desempenho do presidente, pois o considero imbatível no discurso coloquial. Oratória de voz intimista, macia, sem arroubos de construção estilística ou de grandiloquência tonitruante.A lógica do desenvolvimento dessas falas presidenciais realmente é convincente. Às vezes me sinto desconfortável por não absorver integralmente a racionalidade do discurso presidencial. O que melhora meu estado de espírito depressivo após os pronunciamentos presidenciais é o contato com a realidade. Realidade teimosa. Surda ou desobediente. Parece que ela não ouve o nosso presidente e, portanto, não entende o discurso presidencial. Ou, se atenta, ouve, não segue as maravilhas de mudanças prometidas pelo nosso supremo mandatário. O presidente tem falado tanto, em todas as cerimônias palacianas e noutras Brasil afora, que, com o seu carisma pessoal e de poder, corre-se o risco de se formar um movimento, no seio do seu PSDB, para substituir o seu símbolo tão interessante -o tucano- por um seu primo, com igual beleza e com a vantagem adicional de falar e repetir: o papagaio. Na última quinta-feira, foi divulgada pelos jornais a proposta governamental. O que se pressentia e se anunciava torna-se evidente. A reforma constitucional prevista pelo governo tem algumas características marcantes: destrói a federação consolidada na Constituição de 1988; amesquinha o poder político estadual e lhe reduz o grau de autonomia em relação ao ICMS; demonstra apetite tributário voraz, ao prever nova hipótese de empréstimo compulsório -necessário à absorção temporária do poder aquisitivo da população; reformula a faculdade de a União criar novos impostos, retirando duas restrições que protegiam o contribuinte -a sua instituição por lei complementar e a exigência de não ser cumulativo; ao instituir o ICMS federal, coexistindo com o ICMS estadual, sinaliza um arrocho tributário, por agravamento da carga tributária indireta, que vem camuflada nos preços dos bens e serviços. A proposta presidencial vai além de uma inspiração conservadora. É reacionária. Centraliza o poder tributário e, portanto, as receitas públicas na competência da União, em detrimento dos Estados, Distrito Federal e municípios. Imobiliza o ICMS estadual, pois a sua legislação passa a ser baixada pela União, destruindo a autonomia estadual. Dá, como parece ser a filosofia do governo federal, boa vida para o importador no exterior. O ICMS não incidirá sobre as exportações de mercadorias, aí incluídos os produtos semi-elaborados e serviços. Daí, ocorrerá uma deterioração das finanças dos Estados produtores de produtos primários, com vocação de exportação. A mudança do IPI para o ICMS federal demonstra a avidez da União no seu centralismo tributário. Amplia-se a base do imposto, que antes incidia apenas sobre os produtos industrializados e passa a incidir sobre todas as mercadorias. Vale dizer, bens oriundos do reino animal e do vegetal, da mineração, bem como combustíveis, lubrificantes e energia elétrica, sobre os quais não incidia o IPI, vão compor a base de aplicação desse novo imposto a partir de 1998. Nada como um dia após o outro para desmoralizar as boas intenções. Fica patente a incapacidade de o governo federal materializar atos generosos, como diminuir e melhorar a distribuição da carga tributária entre os contribuintes. A simplificação prometida vai para o espaço. Há tantas normas sobre os dois ICMS que mais parece um regulamento. Com o caminhar típico de caranguejo, para trás, está-se retornando ao Império, com a volta do Estado Unitário, inclusive com imperador, embora haja muitos primeiros ministros. A proposta apresentada constitui passe mágico, elaborada por feiticeiros especializados em magia negra. OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal. Texto Anterior: Programa custa mais caro no país Próximo Texto: Tirando pêlo da nossa cara Índice |
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