São Paulo, domingo, 27 de agosto de 1995
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A estabilidade do sistema financeiro e o Econômico

SÉRGIO RIBEIRO DA COSTA WERLAND

Problemas como o ocorrido com o Banco Econômico não são uma exclusividade brasileira. Em anos recentes, o sistema financeiro no mundo tem sofrido com as consequências da má administração de instituições financeiras. As soluções adotadas nos outros países têm, porém, um ponto em comum: banco grande não é liquidado.
Os exemplos são abundantes: nos EUA, na década passada, o Continental Illinois; na França, o Credit Lyonnais, um banco estatal, tem problemas comparáveis aos do Banespa; no Japão e no México, os grandes bancos enfrentam uma onda de inadimplência; na Argentina, mesmo no auge da crise do início do ano, houve liquidação de bancos pequenos, mas o Banco Central agiu de forma a preservar bancos grandes, fundindo-os; na Inglaterra, o Barings foi vendido por uma libra.
Note que há uma clara discriminação em favor de instituições grandes. É importante entender as razões por trás desse comportamento aparentemente injusto.
Quando alguém deposita seu dinheiro em um banco, a utilização de um cheque deste banco para efetuar pagamentos depende da confiança na instituição financeira. Se houvesse desconfiança, as compras com cheque não seriam realizadas e muitos negócios não seriam concretizados.
É impensável uma economia moderna sem os substitutos do papel-moeda, como o cheque. De uma certa forma, o sistema bancário funciona como um prolongamento do Estado, emitindo moeda (no caso do cheque, os depósitos à vista). E, para que essa tarefa seja cumprida eficientemente, é necessário haver confiança nas instituições bancárias.
Se uma instituição financeira pequena quebra, há pouco impacto na economia. Já se um banco grande quebrar, o entrelaçamento das operações financeiras faz com se gere uma desconfiança sobre outros bancos. Pode então haver uma "corrida bancária", onde os indivíduos ficam receosos de ter seus recursos em instituições financeiras e preferem sacá-los e guardá-los consigo.
A interpretação mais aceita para a grande depressão de 1929 foi uma corrida bancária que diminuiu dramaticamente a moeda em circulação nos EUA. Os bancos centrais são instituições criadas, em sua maioria neste século, para regular e cuidar do bom funcionamento do sistema financeiro.
Contudo, o Banco Central não pode garantir indiscriminadamente todas as instituições financeiras. A razão é simples. Se houvesse garantia integral de todos os depositantes, o administrador bancário poderia fazer empréstimos cada vez mais arriscados com o dinheiro dos clientes.
Com o maior risco, maiores seriam os ganhos potenciais. Se os seus devedores pagassem, o ganho para o banco seria alto. Mas se eles não pagassem os empréstimos, o banco quebraria e os depositantes não teriam nenhum ônus.
É o que acontecia no século passado. A famosa crise do Encilhamento, na virada do século, ocorreu por conta de uma legislação financeira extremamente leniente. Pelo menos parcialmente, o depositante tem que ter alguma responsabilidade na escolha do banco com que opera.
A regulamentação do sistema financeiro varia muito. Num extremo ideológico intervencionista, muitos foram pela via estatizante: como o sistema financeiro é um "prolongamento" do Estado, não poderia haver bancos privados. A maioria dos países que foram nessa direção decidiram voltar atrás, como França, Portugal e México.
O tamanho da ineficiência da administração de instituições financeiras pelo setor público é muito maior que no caso do setor privado. Por exemplo, o Barings, um grande banco privado que "quebrou" recentemente, ficou com patrimônio líquido devedor de US$ 1 bilhão. Já os casos do Banespa e do Credit Lyonnais, ambos públicos, apresentam problemas dez vezes maiores. Ou seja, a estatização do sistema bancário cria problemas muito maiores.
No outro extremo ideológico, ultraliberal, Milton Friedman sugeriu a proibição total do sistema financeiro privado emprestar dinheiro: os depósitos não poderiam ser repassados. Essa sugestão ainda não foi colocada em prática.
A grande maioria dos países adota um sistema financeiro privado, onde empréstimos podem ser feitos com os recursos dos depositantes, acoplados a algum tipo de seguro bancário. Aliás, a Constituição brasileira prevê este seguro no art. 192, inciso 6º.
Este é um seguro que permite o ressarcimento de parte dos depósitos em caso de liquidação. A idéia é a seguinte: cada banco contribui anualmente para um fundo com um certo percentual de seus recursos próprios; esse fundo seria utilizado para o pagamento dos depositantes de instituições que fossem liquidadas. Há três pontos que merecem ser discutidos.
Em primeiro lugar, os bancos têm a ganhar. Isso porque, como foi exposto acima, um banco, mesmo sadio, sempre acaba sofrendo os impactos da quebra de outros bancos. Por exemplo, os bancos brasileiros de primeira linha tiveram aumento de seu custo de captação em dólares na segunda-feira seguinte à intervenção no Econômico. As instituições financeiras têm um interesse muito palpável em manter a confiança no sistema como um todo.
Em segundo lugar, tal sistema poderia ser até mesmo opcional para bancos pequenos, uma vez que o impacto da quebra de instituições pequenas é restrito. Os depositantes em bancos fora do sistema de seguro não teriam direito à proteção de suas aplicações, mas teriam que ser esclarecidos dos riscos extras. Contudo, bancos grandes devem fazer parte do sistema de seguro obrigatoriamente, já que os maiores problemas são criados pela quebra destes.
Em terceiro lugar, é importante discutir o nível de proteção ao depositante. Há três casos a serem discutidos. Primeiro, se um cliente aplica recursos em depósitos a prazo num banco que paga taxas de juros elevadas e este banco é liquidado, o aplicador deve ser penalizado, e esta pena deve ser superior ao valor dos ganhos extras obtidos por se ter recebido juros mais altos do que a média do mercado.
Segundo, depósitos à vista e cadernetas de poupança têm remuneração predeterminada e uniforme, de modo que esses depósitos deveriam ser garantidos ou em sua totalidade, ou pelo menos num percentual muito acima dos depósitos a prazo. Terceiro, no caso de fundos administrados pela instituição liquidada, os recursos pertencem aos cotistas, não à "massa falida, de modo que recebem todos os ativos do fundo intactos.
Obviamente, se dentre os ativos estiverem aplicações no próprio banco, estas terão que ser ressarcidas em igualdade de condições com os outros depositantes. Mas os ativos do fundo que não são aplicados no banco são exclusivamente dos cotistas.
Deve-se notar que a existência de um seguro de depósito não exime de responsabilidade o mau administrador, nem torna a fiscalização pelo Banco Central ineficaz ou desnecessária. A recente e draconiana intervenção no Banco Econômico poderá causar grandes transtornos ao sistema financeiro, principalmente por ser este um banco de grande porte.
A primeira solução alternativa sofreu uma enorme rejeição por passar pela estadualização do banco, gerando inclusive uma disputa artificial da Bahia versus o resto do país. Com o passar do tempo, fica claro que o problema do Banco Econômico é um problema do sistema financeiro brasileiro.
A segunda solução propõe apenas um aumento da garantia dos depósitos, financiado parcialmente pelo setor privado. Uma outra proposta, que leva em consideração os argumentos apresentados neste artigo, é descrita a seguir.
1) Institui-se um seguro de depósito bancário com contribuição obrigatória anual de 1% do patrimônio líquido dos bancos.
2) O BC transforma em empréstimo de longo prazo (com taxa a ser combinada) R$ 1,8 bilhão dos recursos já aportados via redesconto ao Econômico, empréstimo este que cobre (segundo o BC) o patrimônio líquido negativo do Econômico (R$ 1,5 bilhão) e o patrimônio mínimo necessário para operar o banco pelas normas do Acordo de Basiléia (R$ 300 milhões).
3) O "pacote" Banco Econômico mais recapitalização seria leiloado. Como o patrimônio total seria positivo em R$ 300 milhões, o banco estaria sem problemas de solvência e teria apenas problemas de liquidez, que poderiam ser resolvidos pela nova administração.
4) Juntamente com os recursos advindos do leilão, os recursos do seguro de depósito bancário seriam utilizados inicialmente para repagar o empréstimo feito ao Econômico pelo BC (poderiam ser empregados apenas em parte; por exemplo, em 75% do seu valor).
Deve-se destacar que não há nenhum subsídio sendo sugerido aqui. No final das contas a solução apresentada faz com que o sistema bancário arque com o ônus de impedir a quebra do Banco Econômico. Nem é necessário que o banco se torne estadual.

SÉRGIO RIBEIRO DA COSTA WERLANG, 36, doutor em Economia pela Universidade de Princeton (EUA), é diretor do Banco da Bahia Investimentos S/A e professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas (RJ).

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