São Paulo, domingo, 27 de agosto de 1995 |
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A maioridade de um projeto
AUGUSTO MASSI
Os três mais recentes lançamentos vestem novo projeto gráfico, que, ao enfatizar a relação entre poesia e cidade, estampa nas capas um mapa de Porto Alegre. A aproximação é feliz, especialmente com relação ao ``Tango da Independência", de Paulo Seben. Neste livro de estréia, ele nos surpreende com a combinação entre a métrica rígida do soneto e o barroquismo irreverente da linguagem: ``Até no meu amor por ti contrasto,/ tu feia em coisa alguma, eu nada belo;/ora te beijo ardente, ora sou casto;/ ora sou só ciumento, ora um Otelo". Conjugando referências cultas com percepções da banal, Seben passeia com humor e habilidade por temas e assuntos tão batidos e inusitados como o carnaval, Stálin, a flor do sul ou Basílio da Gama. Por vezes, como no ``Soneto Automobilístico", a química barroquizante não funciona e as imagens perdem sua força de atração. Deixando os problemas de lado, tomemos os bons momentos do poeta, ``Tango da Independência", musicado por Vítor Ramil, e ``Soneto que Quintana não Fez": ``Acabaram-se os bondes amarelos,/ e eu saí, como bêbado, dos trilhos./ Hoje fico a cantar em estribilhos/ velharias, miudezas, caramelos". ``Derrapagens", de Maria Helena Weber, busca aparentemente uma dicção mais contida. Esta primeira impressão desfaz-se logo após a leitura dos 120 poemas curtos do livro. Do ponto de vista formal, eles mimetizam a estrutura do haicai, entretanto, a autora os sobrecarrega de uma linguagem excessivamente prosaica, destituindo-os de concentração imagética ou ressonâncias fonéticas. Em poesia, todo esforço de contenção só proporciona bons resultados quando o poeta consegue libertar a língua das formulações habituais, permitindo às palavras praticar sua arte combinatória. ``Derrapagens" não traduz uma construção musical, tampouco aposta no corte ou na dissonância para surpreender, caso do poema 11: ``Submeto à tua lascívia/ minha escolha/ derrotada/ indolor" ou do 111: ``Pode ser assim/ aos goles aos poucos/ até chegares inteiro". Os encontros e desencontros amorosos que perpassam o livro não encontram uma expressão lírica adequada. O desejo acaba embotado e os poemas perdem o gume da atenção. Por último, gostaria de comentar ``Lá Vem o que Passou", de José Antônio Silva, o mais veterano dos três. Se, por um lado, demonstra maior domínio do verso, por outro, insiste em empregar certos truques: ``Uma estrada/ é um convite tão forte/ que fico na encruzilhada:/ sigo pro sul/ ou pro norte?" Trata-se de um cacoete da poesia brasileira contemporânea, de eficácia fugaz. José Antônio Silva abusa deste artifício, recorrente em vários poemas, como ``Ordem do Céu", ``Cinzas" ou ``Paz e Terra". Dito isso, quando ``Lá Vem o que Passou" recusa o registro da facilidade, penetramos no terreno da experiência, no qual a passagem do tempo e o perambular do poeta expresso no título são captados na imagem poderosa do ``Labirinto": ``O mistério da primeira vez/ o segredo obtuso de cada rês/ a rotina quebrada de todo mês/ o arabesco no cérebro, sob o fez/ a fé que se insinua, quando não crês./ Em tudo o labirinto onde andas./ Mas nunca o vês". Texto Anterior: HISTÓRIA; FILOSOFIA; CONCURSO; PSICANÁLISE Próximo Texto: Uma palavra instável Índice |
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