São Paulo, domingo, 27 de agosto de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Uma palavra instável

AUGUSTO MASSI
ESPECIAL PARA A FOLHA

A terceira edição de "Vários Escritos (Livraria Duas Cidades), revista e ampliada, confirma e renova a importância deste livro dentro da trajetória crítica de Antonio Candido. Desde seu aparecimento, em 1970, possuía uma organização interna perfeita. Num certo sentido, sugeria a idéia de continuidade da "Formação da Literatura Brasileira, obra na qual o autor analisou os momentos decisivos do nosso processo formativo, enxergando no Arcadismo e no Romantismo a constituição de um sistema literário. Desta perspectiva, "Vários Escritos reapresenta o problema da formação, visto segundo a configuração de uma modernidade.
No prefácio da "Formação da Literatura Brasileira, a exclusão do Machado de Assis romântico vem acompanhada de uma afirmação decisiva de Antonio Candido: "A sua linha evolutiva mostra o escritor altamente consciente, que compreendeu o que havia de certo, de definitivo, na orientação de Macedo para a descrição dos costumes, no realismo sadio e colorido de Manuel Antônio, na vocação analítica de José de Alencar. Ele pressupõe a existência de predecessores, e esta é uma das razões da sua grandeza: numa literatura em que, a cada geração, os melhores começam da capo e só os medíocres continuam o passado, ele aplicou o seu gênio em assimilar, aprofundar, fecundar o que havia de certo nas experiências anteriores. Machado de Assis representa o amadurecimento do sistema literário anterior e o marco zero da nossa modernidade.
Por isso, "Vários Escritos começa pelo "Esquema de Machado de Assis, para depois tecer variações em torno de Oswald, Drummond, Clarice e Guimarães Rosa. Caso "Vários Escritos abrigasse os ensaios sobre Mário de Andrade, Graciliano Ramos e Rosa, incluídos em outros livros, teríamos uma visão em perspectiva da contribuição fundamental de Antonio Candido para delimitar os contornos do modernismo brasileiro. Segundo a arquitetura de "Vários Escritos, o início estaria na obra fundadora de Machado e, com Rosa, alcançaria o ponto extremo do sistema literário moderno.
Mas a nova edição altera a feição original do livro. Em primeiro lugar, "No raiar de Clarice Lispector foi substituído por "Os Ultramarinos -substituição que não me parece, arquitetonicamente, adequada. A mudança realmente decisiva, porém, está no fato de o livro passar a ter uma segunda parte, dedicada à discussão das idéias políticas.
Esta segunda parte abre com um ensaio magistral, "O Direito à Literatura, que procura definir o que é literatura, suas funções, a construção do objeto e analisa brilhantemente a entrada do pobre no temário do romance romântico. De forma coerente, em "Radicalismos, se debruça sobre o pensamento de Joaquim Nabuco, Manoel Bonfim e Sérgio Buarque de Holanda. "Uma palavra instável (leia abaixo a íntegra do ensaio) aborda as flutuações semânticas da palavra "nacionalismo. O livro fecha com três ensaios, evocativos e militantes: "A Faculdade no Centenário da Abolição, "Sérgio em Berlim e Depois, "Paulo Emílio: a Face Política.
Na simetria quase perfeita da obra -14 textos divididos em duas partes, oito ensaios literários e seis análises políticas-, reencontramos a coerência do crítico literário e do intelectual militante, sempre fiel às propostas sistematizadas, em 1944, na "Plataforma da Nova Geração: "o combate a todas as formas de pensamento reacionário.

Texto Anterior: A maioridade de um projeto
Próximo Texto: Uma palavra instável
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.