São Paulo, domingo, 27 de agosto de 1995
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Vacina atenuada pode ser eficaz contra Aids

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Vacinas atenuadas são as em que o micróbio é desprovido de parte da virulência, conservando, porém, seu poder antigênico, isto é, sua capacidade de despertar reação imune específica no hospedeiro. As primeiras vacinas descobertas e usadas eram atenuadas.
Vacinas preparadas com germes mortos, sem perda do poder antigênico, foram inventadas depois. Em 1992 ("Science de 18 de dezembro, p. 1880), Ronald Desrosiers, da Universidade Harvard, demonstrou a possibilidade de, por atenuação do SIV -vírus de origem símia aparentado com o HIV-, usá-lo como vacina contra a doença do macaco, parecida com a Aids humana.
O trabalho de Desrosiers foi prontamente confirmado e logo outros pesquisadores se apressaram em tentar a mesma técnica na Aids. A atenuação do vírus símio foi obtida geneticamente mediante deleção (apagamento) do gene "nef e outras manipulações. A amostra do SIV assim obtida mostrou-se capaz de imunizar macacos adultos contra a injeção do vírus.
Em reunião anual realizada em novembro do ano passado em Reston (Virgínia, EUA), o conceito da ação vacinante do SIV sofreu abalo quando Ruth Ruprecht, de outro setor da Universidade Harvard, apresentou o resultado de suas pesquisas. Ela mostrou que uma vacina atenuada contra o SIV, preparada segundo as linhas mestras da de Desrosiers, embora segura e eficaz em macacos adultos, pode causar a Aids simiana em macacos recém-nascidos.
Em sua vacina, Ruprecht fez três deleções no material genético do SIV, inclusive dois genes inteiros. Partia da idéia de que a deleção de genes permitiria que o vírus se replicasse um pouquinho, provocando reação imune sem desencadear a doença. A explicação foi em geral aceita e chegou-se a pensar que seria fácil transpor o conceito para a Aids humana.
Mas Ruprecht lembrou-se de antes ver o que aconteceria se o vírus SIV fosse ministrado oralmente a macaquinho obtido por cesariana. Oito meses após a inoculação, o macaquinho revelou quadro sanguíneo no qual o teor de glóbulos CD4 caía muito, fato típico da imunodeficiência que ocorre na Aids. No macaquinho, a replicação do vírus continuava, ao contrário do que ocorre em macacos adultos vacinados com o vírus.
Observação ulterior mostrou que o vírus causador da doença em macaquinhos era o vírus atenuado. Ele não retornara à situação anterior. Quando a cientista injetou sangue de macaco vacinado em macaquinho e sua mãe, o filhote manifestou alterações sanguíneas próprias da Aids simiana, ao passo que a mãe permanecia em plena saúde.
Ruprecht concluiu categoricamente que as vacinas atenuadas são nocivas. Mas Desrosiers entende que, se for possível produzir uma vacina atenuada segura, aplicável ao homem, seria viável deter o alastramento da epidemia. Está disposto a continuar experiências para achar a linha divisória segura entre os dois tipos de efeito.
A julgar pela observação de Desrosiers num hemofílico infectado com o HIV em 1985 e até hoje sem sintomas de Aids, esse experimento já começou.
Aquele hemofílico não possui parte do gene "nef em seu HIV, o que leva o pesquisador a imaginá-lo infectado pelo vírus atenuado, segundo Jon Cohen ("Science, 266, 1.154). Seria assim a primeira prova da inocuidade da vacina humana. E, após ter sido infectado com esse vírus atenuado, o hemofílico deve ter recebido doses maciças de fator de coagulação contaminado pelo HIV. Seria essa uma prova indireta da eficácia da vacina humana.

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