São Paulo, domingo, 27 de agosto de 1995
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BRASIL NA ANTÁRTIDA

RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL À ANTÁRTIDA

Erramos: 27/08/95
É possível estudar o mais gelado dos continentes a partir de um escritório confortável e aquecido, simplesmente recebendo imagens de satélites.
Não é o caso dos cientistas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o centro de pesquisa brasileiro que mais usa a base mantida pelo país na Antártida.
Além de estudar imagens de satélites, os pesquisadores e técnicos do Inpe têm de fazer medidas e estudos no próprio continente antártico, que ironicamente é um dos melhores pontos do planeta para estudar aquilo que é a razão de ser do centro de pesquisa -o espaço.
Os equipamentos precisam funcionar 24 horas por dia, 365 dias por ano. E isso exige a presença de alguém do instituto no local 24 horas por dia, 365 dias por ano.
Neste momento -e até outubro- o chefe do programa antártico do Inpe, o pesquisador boliviano René A. Medrano Balboa, está passando o inverno na Estação Antártica Comandante Ferraz.
Ele se juntou a dois técnicos que já estavam lá cuidando dos equipamentos do Inpe, Luiz Gonzaga Rios e Roberto Hadano.
Os experimentos de Medrano são do tipo que exige atenção constante. Ele é um físico espacial empenhado em estudar o meio interplanetário e regiões do espaço em torno da Terra conhecidas como magnetosfera e ionosfera.
Ao contrário do que se poderia imaginar, o espaço que surge depois que termina a atmosfera terrestre não é ``vazio".
Pode não haver gases como o oxigênio, que os seres vivos respiram, mas existe grande concentração de partículas carregadas eletricamente, ``ionizadas". Trata-se de um gás especial chamado plasma.
O plasma contém tanto elétrons livres como íons com carga positiva (átomos ou grupos deles com carga positiva por ter perdido elétrons). É o caso do vento solar, uma corrente contínua de partículas ionizadas expelidas pelo Sol.
A magnetosfera é a região em que o campo magnético da Terra domina o movimento desse plasma. Ela se expande ou se contrai de acordo com a intensidade do vento solar.
Já a ionosfera fica entre 80 km e 480 km da superfície terrestre. É uma região constituída por átomos ionizados e elétrons livres que refletem ondas de rádio por longas distâncias.
Isso faz de seu estudo algo particularmente interessante para as comunicações. ``Dependendo da frequência (da onda de rádio), ela bate em diferentes alturas da ionosfera", diz o pesquisador.
O bombardeio de raios-X e ultravioleta do Sol se encarrega de manter essa região continuamente ionizada.
``Temos de estar o tempo todo de prontidão", diz ele. ``O Sol não avisa quando vai ter uma explosão". Esses momentos de maior atividade solar são particularmente úteis para o estudo.
E também trazem consequências inesperadas. Em 89 houve algo assim. ``Houve uma explosão solar e uma injeção de matéria tão grande que a deformação da magnestosfera chegou a sobrecarregar linhas de transmissão no Canadá", lembra Medrano. Esse tipo de fenômeno também afeta as transmissões de rádio e televisão.
Medrano e seus colegas estudam uma região da ionosfera particularmente sensível, aquela acima dos 70 km, que faz fronteira com a atmosfera eletricamente neutra embaixo. É a chamada camada D, logo abaixo da E e da F1 e F2.
A altitude da camada D cria um problema operacional curioso. Não há como obter medições diretas, pois ela é alta demais para balões e baixa demais para satélites.
Pesquisas podem ser feitas com ocasionais vôos de pequenos foguetes. Mas também é possível usar métodos indiretos, medindo o ruído cósmico (as ondas de rádio produzidas nas estrelas).
"As ondas são absorvidas pelos elétrons da ionosfera e a maior absorção é entre 70 km e 90 km", segundo Medrano. A frequência de colisões entre as partículas é da mesma ordem de magnitude que as ondas de rádio detectadas.
``Comparando a intensidade do ruído cósmico lá fora e na superfície dá para saber a densidade eletrônica (dos elétrons) pelo grau de absorção", afirma Medrano. ``Podemos, com medições do ruído cósmico, estudar a precipitação de partículas energéticas".
Essa ``chuva" de partículas é medida indiretamente através dos instrumentos que registram o ruído cósmico, chamados ``riômetros" (tradução do inglês riometer, ``radio ionospheric opacity meter", ou medidor de opacidade ionosférica por rádio).
A medição é feita por três antenas. Uma delas, vertical, têm cerca de 15 metros de altura; outras duas são inclinadas para mapear a variação espacial da ``chuva".
A Antártida é um local especial para esse tipo de pesquisa porque é nessa região do planeta que as linhas do campo magnético saem da Terra, vão até o Hemisfério Norte e de novo penetram no chão (veja ilustração à direita). Existem partículas "aprisionadas" pelo campo magnético que fazem essa deriva ao longo da Terra, em regiões conhecidas como os ``cinturões de Van Allen", e se precipitam nas regiões polares.
Um fenômeno atmosférico causado por esse tipo de interação física do vento solar com a atmosfera terrestre é mais benigno que os problemas de comunicação que a atividade do Sol pode trazer.
As auroras (boreal quando no Hemisfério Norte, austral quando no Sul) são constituídas por faixas de luz que surgem no céu noturno. A origem é o impacto de partículas carregadas eletricamente na atmosfera, e o seu desvio, pelo campo magnético, aos pólos magnéticos.
A localização boa para pesquisa tem seu preço: frio. Medrano já esteve seis vezes na base brasileira durante o verão, quando a média de temperatura é 0 oC. Está no momento na sétima visita, a primeira vez no inverno antártico, quando -15 oC são comuns.
As antenas ficam a cerca de 1 km de distância do núcleo central da estação. Outros experimentos de colegas do Inpe, que ele também deve monitorar, ficam a centenas de metros, ou mesmo quilômetros, em outras direções.
``Tenho de andar uns 6 km por dia para checar os instrumentos", diz, resignado, o boliviano, em meio ao frio.

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