São Paulo, domingo, 27 de agosto de 1995
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Situação egípcia

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Um novo e grave problema aflige este já tão aflito país. Não bastassem os prejuízos do Econômico, a inadimplência e os juros, ficamos sabendo que as múmias do Museu Nacional, no Rio, foram encharcadas pela chuva!
Sim, um sacerdote, um gato e uma criança, múmias egípcias, valiosíssimas, de seres que viveram há alguns mil anos e jamais poderiam imaginar que fossem acabar em São Cristóvão, muito menos empapados.
``São como acidentados muito importantes que precisam de tratamento a qualquer preço", desesperou-se o vice-cônsul francês.
A França, sempre amiga da cidade maravilhosa, onde, aliás, tentou estabelecer colônia, acena com a possibilidade de enviar especialistas do museu do Louvre para secar as relíquias.
O vice-cônsul, definitivamente ``desolé" com o estado das peças, chegou a dizer ao ``JB" que ``se for preciso banco as despesas de viagem e hospedagem dos técnicos do meu próprio bolso". Pobre homem. Essas coisas não devem ser ditas no Brasil.
Mas o fato é que o Louvre é tão bom em secar múmia que já foi chamado pelos próprios egípcios, em novembro do ano passado, para salvar a tumba de Ramsés 1º dos estragos de uma inundação.
Para garantir, os guardiões das múmias encharcadas também conversaram com especialistas norte-americanos e ingleses.
Ignoraram, porém, a valiosa experiência histórica do socialismo soviético -ele mesmo esplêndida múmia ideológica. Como se sabe, apesar do naufrágio do império vermelho, o corpo do camarada Lênin, agora um tanto abandonado, permaneceu décadas hirto e lustroso, graças a uma técnica que os comunistas guardavam como se fosse a fórmula da Coca-cola.
Enquanto não chegam os experts, as múmias estão trancadas numa sala, cercadas de singelos ventiladores e desumidificadores. Uma empresa colocou à disposição do Museu ``uma quantidade ilimitada" desses aparelhos.
Outra alternativa, ainda, se franceses, americanos e russos não se manifestarem, seria recorrer à equipe econômica de FHC.
Não para pedir verbas, porque verbas eles dizem que não liberam -embora liberem, mas só para quem interessa.
Múmia, claro, não interessa. Salvo aquelas que têm bancada, votam na reforma, pedem ou oferecem cargos e tomam cafezinho no Congresso -o que não é o caso do nosso sacerdote, nem da criança, muito menos do gato.
Mas a excepcional capacidade demonstrada pelo ministro Pedro Malan e seus rapazes de enxugar a economia poderia ser utilíssima ao Museu Nacional.
Se os economistas de Brasília fizerem com as múmias o que fizeram com o bolso dos brasileiros nos últimos meses, não tem erro: em minutos, elas ficarão sequinhas e duras.

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