São Paulo, domingo, 27 de agosto de 1995
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um extraterrestre no governo

COSETTE ALVES

questão que aparece.
Desenvolver regras de coexistência e tolerância é até o aspecto bonito. O mais complicado é o comércio. A disposição para o comércio exige fraqueza de convicções. Tudo se passa como o processo da Justiça do Trabalho: um pede zero, o outro pede mil, e se faz o acordo por 500.
"Todo o aspecto ideológico, intelectual, moral, se traduz num comércio: quanto custa, o que levo, o que você me dá. Quando você mercantiliza essas pequenas abstrações precisa ter estômago. Acho que não tenho. Essas áreas cinzentas e negras na política são enormes."
Gustavo Franco tem um lado altruísta: diz que talvez não se negasse a servir o país como político. Mas adora a vida no Executivo, em que não se pedem dele grandes coisas do ponto de vista da política.

O livro
Tinha idéia de contar a criação da URV (Unidade Real de Valor, fator de conversão usado no período de transição entre cruzeiro e real). O livro é hermético, escrito no economês em sua maior medida e ele acha que isso não tem nada de errado.
Suas funções estatutárias no Banco Central são um pouco vagas, porque o BC opera num regime de diretoria colegiada. Todos os diretores palpitam sobre tudo. Franco tem toda a questão internacional, que é imensa: não só porque existe a dimensão de câmbio, como a regulamentação dos investimentos estrangeiros e a relação com organismos internacionais.
Acabou tendo outras atribuições ao longo desse período e fez parte da chamada equipe econômica que deliberou sobre toda a economia.

Juros altos
"As taxas têm de cair. Também é importante a reforma nos procedimentos operacionais da política monetária (emissão de moeda, venda de títulos do governo, fixação de taxas de juros e câmbio), que até muda um pouco a noção do tanto que a taxa de juros importa para o mundo real. Não se quer reduzir a inflação com a taxa de juros; taxa de juros é instrumento para o processo de ajuste fiscal, enquanto a política fiscal não produz o curso correto."

Inflação
Acredita que a inflação é a coisa mais anti-social do mundo. Na sua opinião, esse é o primeiro passo para corrigir a distribuição de renda no Brasil. O segundo é a revolução educacional. Esse será mais delicado.
"Digamos que você precisasse gastar mais um dinheirão em educação. Dinheiro que não existe. Para que exista, o Estado tem que abrir mão de uma porção de outros objetivos. Por exemplo, a suficiência em petróleo: gasta-se US$ 2,5 bilhões por ano para a auto-suficiência em petróleo; se deixássemos a Petrobrás gastar o que ela quer, talvez se gastasse até US$ 10 bilhões ao ano. Acho que não se devia gastar nada."

Bancos estaduais
Com relação ao problema, Gustavo fala curto e com uma convicção a toda prova. "O grande desafio é tratar o problema como um problema bancário comum, e os problemas bancários são velhos como o pecado, e as soluções, sobejamente conhecidas. A primeira é que o banco em dificuldade quer trocar o controlador. Todo o resto é acessório a esta providência inicial e básica. Trocar o controlador quer dizer privatizar. Quando não há outra solução, é questão de tempo. Convicções do revolucionário que tem a história bafejando no seu cangote."

Conclusões
Do ponto de vista pessoal, fazer a coisa correta e sofrer um ataque permanente dos consultores, da imprensa e de opositores ao plano foi muito penoso, afirma o economista.
Ele ouvia a cada momento: a desgraça vem no mês que vem. "As profecias eram as piores possíveis, e fomos vencendo uma a uma. No início nem nós acreditávamos. Fomos com duas mudas de roupas para Brasília, na semana seguinte podia acabar tudo. Logo no primeiro mês houve aquela `Lei Paim' (de autoria do deputado federal Paulo Paim, PT-RS, que elevou o salário mínimo de R$ 70 para R$ 100 em janeiro), aprovada por unanimidade no Congresso. Ali era vida ou morte. Se se perdesse aquilo, acabou-se. A crise do México foi interessante: uma quantidade incrível de gente falando mal da política cambial, e as profecias mais elaboradas: crises financeiras de dimensões planetárias, a revolução dos derivativos..."
"Outro besteirol: diziam que o país teria reservas de US$ 20 bilhões no fim do ano, que íamos ao FMI. Bom, nossas reservas já passaram dos US$ 40 bilhões. Penso o seguinte: resolveríamos nosso problema fiscal se falar besteira sobre economia pagasse imposto. Conheço uma porção de gente que ficaria pobre."

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