São Paulo, domingo, 27 de agosto de 1995
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tecnosamba

MARIO VITOR SANTOS

Já pensou o chanceler Helmut Kohl balançando as banhas no batuque tecno?
A Parada do Amor, realizada há pouco em Berlim, ameaça tornar-se o maior espetáculo da Terra. Neste ano, juntou 200 mil pessoas, procedentes de todos os continentes.
Os participantes desfilam nas ruas de uma região delimitada da cidade, dentro e em torno de trios elétricos. O som é tecno, se dança a 150 batidas por minuto. Ninguém fica quieto na presença do tchacatchacatchaca bumbumbum.
O movimento reúne gente jovem, até os 30 anos. Eles se vestem com roupas dos anos 70: predominam muitas cores fortes, como azul turquesa, roxo e laranja. Nos brechós, calças boca-de-sino são disputadas. Também são valorizadas jaquetinhas esportivas da Adidas ou da Puma, especialmente as mais antigas.
Para a festa, muitos se maquiam. A "atitude" do movimento é um amálgama que inclui celebração do corpo, alegria, liberdade e tolerância. A irreverência está no lema deste ano: "Paz, Alegria e Panqueca".
Drogas não fazem muito sucesso, mas o ecstasy tem sua clientela. A atitude dos anos 80, mais contestadora, dark, negativa, desapareceu. Os jovens tecno têm carreira, mas ela não é tudo. Não são yuppies.
Estão mais para neo-hippies em busca de um 68 menos sôfrego e mais moderado, um 68 de resultados. Velhos hippies parecem adorar.
A Parada do Amor está se tornando cada vez mais comercial, sendo até patrocinada, agora, pela fábrica de cigarros Reynolds. As palavras de ordem, ecológicas, pacifistas e dasarmamentistas aparecem aqui e ali. A direita não gosta, já houve até um ataque.
Eles não têm propriamente uma ideologia, embora racismo e violência sejam tabu entre os tecnofãs. Eles não perseguem nenhuma revolução, mas julgam que suas relações são revolucionárias. É o primeiro movimento da cena pop que não se propõe a uma negação anticapitalista de natureza contracultural. Não são segregacionistas. Acham que todos deveriam participar da festa. Já pensou o chanceler Helmut Kohl balançando as banhas no tchacatchacatchaca?
No dia-a-dia, seus principais pontos de encontro são barzinhos -um deles é o "Favela"- e boates em galpões abandonados e salas em ruínas de Berlim Oriental. As festas dançantes começam tarde e atravessam a noite, até as 6, 7 horas da manhã. Não há slogans, a música une, é o verdadeiro centro do movimento. Tudo parece conduzir a uma encenação de si mesmo.
Antes de uma mudança social, o futuro para os tecnofãs parece encerrar enigmas mais limitados. O que usar hoje? Que papel vou fazer na festa de hoje? Uma das publicações do movimento, ``Jetzt" (Agora), tentou resumir o drama da geração nos seguintes termos: ``O mundo não é para ser salvo, vamos a uma festa".
O que isso tem a ver com você? Tudo e nada. A grande inspiração da Parada do Amor foi o desfile das escolas de samba do Rio. Além da água e do leite (!), a caipirinha é a bebida da moda em Berlim.
Mais uma vez, a Europa se curva diante do Brasil.

Ilustração: Nido da Mangueira veste "Parangolé Capa 1/1964", de Hélio Oiticica; foto de Andreas Valentin

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