São Paulo, segunda-feira, 28 de agosto de 1995
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O Econômico e a comunicação

LUÍS NASSIF

Pode-se atribuir à imprensa parte da culpa pelos desencontros do caso Econômico. O maior erro talvez tenha sido persistir em uma versão que se revelou inexata -a de que o presidente cedera aos baianos. Mas a culpa maior pela estratificação dessa versão foi do próprio governo.
Reproduzo alguns conceitos publicados na coluna de 13 de março de 1992 -quando o governo Collor esboroava-se, perdendo a batalha da comunicação.
"Nos últimos anos ocorreu uma profunda revolução nos padrões ocidentais de comunicação, com a informação tornando-se mundialmente instantânea. A estrutura de comunicação precisa ter reflexos para responder aos boatos do dia, organização para montar uma rede de levantamento de informações em tempo real, comando para impedir versões oficiais conflitantes".
O caso Econômico mostrou tudo o que não deveria ser feito. A começar do presidente da República indo completamente desarmado ao encontro com a bancada baiana. Não o acompanhou sequer seu porta-voz. Mal terminado o encontro, agências em tempo real e rádios já divulgavam a versão baiana. Não havia versão oficial disponível sequer para o público interno do próprio governo.
O próprio porta-voz Sérgio Amaral confessou à coluna seu mal-estar inicial com as primeiras informações que recebeu sobre o encontro.
Nesse quadro, como se comporta a imprensa diária, assoberbada com horários de fechamento? Todas as fontes oficiais consultadas -do Banco Central e de outras áreas do governo- mostravam-se chocadas com a informação. A ponto de a diretoria do Banco Central acenar com a demissão coletiva naquela própria noite.
Apenas depois das 20 horas, o porta-voz reúne os jornalistas no Palácio para apresentar a versão oficial, não a tempo de entrar na edição de nenhum dos três grandes diários nacionais.
Não adianta culpar a imprensa pela rigidez do ``dead line" (horário de fechamento). Os prazos são dados objetivos da realidade dos jornais. Cabe às assessorias se prepararem para atuar dentro desse ritmo de fechamento, se não vira jogo de cabra-cega. Quem dispõe da versão se esconde. E a imprensa sai caçando versões às cegas.
Primeira versão
De qualquer modo, as críticas contra a síndrome da primeira versão -que acomete a imprensa- são relevantes. Se determinada versão mostra-se incorreta, em geral há enorme dificuldade em retificá-la posteriormente.
Nesse particular, é significativo o que ocorreu com a ISO-9000 (o programa de qualidade que virou mania de empresas nacionais). Durante meses a imprensa noticiava os recordes de certificação de ISO-9000 no país, como dado que demonstrava a modernização das empresas nacionais.
Meses atrás um diário carioca disparou o primeiro petardo contra a ISO-9000, por meio de matéria que insinuava que havia muita certificação no Brasil porque as empresas que davam consultoria eram as mesmas que certificavam seus clientes (algo tão desonesto quanto uma auto-escola ser a responsável pelo exame de motorista de seus alunos).
A matéria se baseava em entrevista com um consultor mineiro, funcionário da Fundação Dom Cabral -partidário da ``Qualidade Total``, método que ele considerava mais completo que a ISO-9000. De concreto, apenas uma acusação: a de que a Fundação Vanzolini (da Universidade de São Paulo) dava consultoria e certificava ao mesmo tempo.
O Inmetro, órgão do governo responsável pela homologação das empresas, entrou em contato com o consultor, que imediatamente voltou atrás nas acusações, a ponto de elogiar enfaticamente a Fundação Vanzolini. Constatou-se que tudo não passava de ciumeira de acadêmico -algo mais fatal que ciumeira de homem.
O jornal comportou-se com correção, publicando a carta do Inmetro na seção do leitor, e admitindo na resposta que se enredara na conversa do consultor mineiro.
Dias depois, colunista de revista semanal -que lera a matéria, mas não a carta- reiterou a acusação, sem nenhuma informação adicional. Nova carta do Inmetro é publicada na seção de cartas da revista.
Uma coluna de jornal diário, que lera a nota da revista, mas não a retificação, volta à carga. Novo contato da Inmetro com o titular, que publica o desmentido na própria coluna.
Aí um colunista da ``Exame" lê a nota, mas não o desmentido, e faz extensa matéria de uma página, com dezenas de considerações contra a ISO-9000 -todas muito competentes, se não partissem de uma base falsa.
Na última edição da ``Exame", o colunista em questão publica crítica competente contra a imprensa diária a respeito do episódio Econômico. E levanta argumentos bastante consistentes contra a síndrome da primeira versão e a ditadura do ``dead line" (o prazo de fechamento dos jornais).
O desmentido sobre a ISO-9000 certamente vai sair em suas próximas colunas, já que, como se sabe, ``dead line" de revista quinzenal é um sufoco.

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