São Paulo, quarta-feira, 30 de agosto de 1995
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Preservar para conhecer

O Brasil herdou de Portugal o seu amor pela burocracia. É assim que aqui o poder público produz toneladas e toneladas de documentos. Apesar de dificultar sobremaneira a vida do brasileiro, parte da papelada originada no Estado tem, passado algum tempo, valor histórico. O pesadelo do cidadão é a bênção do pesquisador.
O amor do brasileiro pela burocracia, diferentemente do português, que trata sua papelada com muito zelo, é fugaz como uma paixão. No começo, ou seja, na hora de produzir a papelada, tudo é feito com muito carinho e devoção. A falta de um único carimbo pode significar mais algumas horas de fila. Mas a paixão é sempre passageira. Uma vez preenchida a documentação, ela logo é esquecida nos úmidos porões das repartições até ser remetida aos arquivos dos Estados ou ao Arquivo Nacional. É como internar a mulher velha num asilo para vê-la morrer aos poucos.
No caso de São Paulo, como mostrou reportagem de ontem desta Folha, as caixas de documentos foram banhadas em BHC nos anos 50 e até hoje estão envenenadas. Os últimos papéis catalogados datam do início do século. E a produção da papelada, de lá para cá, aumentou na mesma proporção do incremento populacional.
O Brasil, é óbvio, só teria a ganhar ao diminuir a sua burocracia. Ocorre, porém, que isso tem de ser feito antes e não depois da produção de toda a papelada.
A pouco inteligente forma que o Brasil criou para ``eliminar" a burocracia é, antes de tudo, um crime contra a história, cujo radical grego ``hístor" (conhecedor, juiz) dá bem a medida da importância de conservar para preservar e conhecer.

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