São Paulo, quarta-feira, 30 de agosto de 1995
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Enfim, uma pirâmide

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Atribui-se a Guimarães Rosa o seguinte conselho: ``Faça pirâmide, não faça biscoito". São palavras sábias. Ditas, aliás, por alguém com autoridade na matéria.
Em crônica sobre Guimarães Rosa, escrita em dezembro de 1967, Nelson Rodrigues referiu-se ao ``Grande Sertão" como ``uma pirâmide indubitável". Tinha razão. Trata-se de um livro sólido, perene.
Como presidente, Fernando Henrique tenta seguir o mandamento de Guimarães Rosa. Apesar do esforço, algumas de suas atitudes conferem à atual gestão a aparência de um imenso forno de biscoitos.
Impossível, porém, julgar em definitivo um governo que apenas começa. É preciso ver, por exemplo, o que será do real. Dependendo dos ajustes, pode compor a fachada da pirâmide ou pode esfarelar-se feito biscoito velho.
Um governo não se faz, de resto, só de economia. A despeito dos biscoitos assados em Brasília nas últimas semanas, produziu-se, na última segunda-feira, algo que pode vir a ser o bloco de uma pirâmide.
Falo do projeto de lei que propõe o reconhecimento da morte de 136 desaparecidos políticos. Criam-se instrumentos jurídicos para que o Estado afinal reconheça a morte e pague indenizações às famílias de vítimas dos anos de chumbo. Pessoas cujos corpos jamais foram encontrados.
A proposta tem um importante sentido histórico. Sem arranhar a Lei de Anistia, o Estado como que reconhece sua culpa. Admite ter-se desviado de suas funções ao torturar e eliminar brasileiros.
O texto traz o tempero do bom senso. Teve o cuidado de excluir da lista de beneficiários os militantes mortos em combate. Mas não teve o receio de incluir a perspectiva de indenização às famílias dos mortos em dependências do Estado, como Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho.
Estampada nos jornais de ontem, a foto em que o chefe da Casa Militar do Planalto, general Alberto Cardoso, cumprimenta a viúva de Rubens Paiva, Eunice Paiva, veio a calhar. A cena mostra que a nação está a um passo de transformar o seu passado de polvilho em um monumento que possa ser admirado pelas gerações futuras.

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