São Paulo, segunda-feira, 4 de setembro de 1995
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Ética na economia

PAUL SINGER

A Morte do Homem Econômico - Princípios para uma Economia no Futuro
George Brockway
Tradução: Antonio Sérgio C. Rocha
Nobel, 352 págs.
R$ 29,00

Este livro é um amplo compêndio de economia, que procura fazer a crítica da economia convencional neoclássica de um ponto de vista ético e humanista. Esta discussão crítica é o melhor do volume. Começa com os pressupostos que pretendem fazer da economia uma ciência "como as outras", de que decorre a redução do agente econômico à caricatura do homem econômico. Daí o título do livro.
A crítica de Brockway se dirige sobretudo às hipóteses de maximização: a de que os produtores têm como objetivo maximizar o lucro e os consumidores o de maximizar utilidade. Estas hipóteses não pretendem descrever o comportamento real das pessoas neste e naquele papel, mas caracterizar um "tipo ideal" puro. Abstraindo todas as demais motivações, restaria uma única para alguém se engajar em produzir e outra, também única, para se pôr a consumir. Brockway ataca estas hipóteses com o argumento de que "uma vez que produtores são também consumidores, eles forçosamente serão, ao mesmo tempo, tanto maximizadores de ganhos quanto de utilidades, e isto é impossível"(pág. 25). Para ele, o homem econômico seria movido apenas pela cobiça, o que seria impossível pelo que ele chama de "as três antinomias da cobiça: (1) a maximização de lucros e a maximização de utilidades não podem, simultaneamente, reger nosso comportamento; (2) todas as demais coisas constantes, a cobiça e o contrário dela são igualmente universais; (3) cobiça tola é imprevisível, e cobiça racional é absurda" (pág. 30).
Concordo com Brockway que a hipótese do homem econômico é muito pouco adequada, mas as razões dele não me convencem. Em última análise, diz o autor, "é uma confusão de termos procurar explicações psicológicas para eventos econômicos" (pág. 33). Assim, o bebê vai para o esgoto junto com a água do banho. O sujeito da ação econômica é a pessoa ou mais apropriadamente indivíduos em sociedade. É impossível entender eventos econômicos se não temos idéia de por que são realizados, pois o que confere lógica a uma série infinita de eventos é a lógica da motivação dos que os produzem. Minha divergência com a tese do homem econômico provém do pressuposto de que neste campo todos agem isoladamente enquanto indivíduos. Acontece que a economia é e sempre foi social. A história de Robinson Crusoé não é um bom paradigma do que ocorre no mundo econômico, mas é a inspiração e a ilustração mais frequentemente utilizada da parábola do homem econômico.
Como se interrelacionam os homens econômicos no mercado? Dado que seus objetivos maximizadores são mutuamente incompatíveis, eles só podem competir entre si. Do pressuposto do homem econômico deriva diretamente o mercado competitivo em que todos os agentes são indivíduos isolados, cada um por si e a mão invisível por todos. Ora, nos mercados que conhecemos, uma boa parte dos agentes são empresas, que dificilmente se enquadram no figurino do homem econômico, a não ser que se imagine que cada empresa tenha um único proprietário e que este seja personificado por aquele figurino. Mas, mesmo admitindo isso, resta analisar o que se passa dentro das empresas, ou seja, as relações sociais de produção, que se estabelecem entre trabalhadores de linha, gerentes, supervisores, técnicos e os diferentes departamentos que cuidam de interesses distintos da empresa: finanças, marketing, produção, compras, estoques etc. A microeconomia neoclássica desdenha todos estes relacionamentos, relegando-os ao estudo de outra disciplina, a administração de empresas. Por isso todos os seus teoremas são direcionados a favor do mercado concorrencial "perfeito" e tudo que não cabe nele é tido como "imperfeição"...
Brockway segue criticando a mania de matematizar a matéria e os conceitos fundamentais da mesma: moeda, preço, trabalho, bens, capital, especulação, propriedade... Em cada um destes capítulos, há achados muito bons, desvendando os mecanismos ocultos pela profusão de fatos. Sobre a criação de moeda por exemplo: "Os parceiros ativos na criação de moeda são os tomadores de empréstimos" (pág. 67). O aumento do volume de meios de pagamentos se deve aos novos investimentos, mas que estão sujeitos a riscos. "Um empreendimento é algo sistematicamente incerto" (pág. 68), de modo que o investimento financiado que criou nova empresa e ao mesmo tempo um volume equivalente de dinheiro podem não aumentar a oferta efetiva de bens. As mercadorias ofertadas pela empresa podem não encontrar compradores, por serem caras demais, por serem excessivas em quantidade ou inadequadas em qualidade etc. É claro que esta visão de como se cria moeda é muito mais pertinente do que a imagem do governante perdulário acionando irresponsavelmente a impressora de notas.
Com relação aos preços, Brockway pretende nada mais nada menos que uma revolução copernicana. "A tradicional lei da oferta e da procura tem sido o alicerce indispensável de toda a economia desde Adam Smith. A tese dos mercados auto-regulados depende desta lei, e mercados auto-regulados supostamente determinam os preços -não apenas os preços das mercadorias comuns, mas também os salários e as taxas de juros" (pág. 87). Mas "a lei da oferta e demanda funciona ao contrário. O preço converte-se no fato econômico fundamental e não um fato a ser explicado". O preço seria a variável independente, do qual a oferta e a demanda dependem (pág. 88). Só que desta hipótese o autor extrai consequências inusitadas: "... (ela) coloca a fixação de preços e a tomada de preços no começo da atividade econômica, reconhecendo desta maneira que os bens econômicos são bens humanos e estabelecendo os fixadores de preços e os tomadores de preços -os seres humanos- numa posição de responsabilidade e liberdade. (...) A cobiça não necessitará mais ser a força motriz da economia" (pág. 88).
Como os seres humanos são os sujeitos tanto da determinação dos preços como da quantidade que é vendida (oferta) e comprada (demanda), não é a inversão de causa e efeito que humaniza a economia. Observando-se o funcionamento dos mercados, é fácil de ver que as três variáveis são interdependentes; a que se mover primeiro causa os movimentos das outras. Há analises (como as de A. Okun, "Prices and Quantities", 1980) que mostram que os preços tendem a ser relativamente fixos em mercados que não funcionam em forma de leilão, porque os compradores precisam desta estabilidade para reduzir seus custos de transação. (Seria muito transtorno para os compradores levantar preços de numerosos ofertantes a cada vez que vão às compras). Neste sentido, Brockway deve ter razão em dizer que os preços tendem antes a determinar do que serem determinados por oferta e demanda. Mas dizer que, assim sendo, responsabilidade e liberdade tomam o lugar da cobiça como forças motivadoras da ação econômica, aí vai uma longa distância...
Após os capítulos conceituais, Brockway se dedica à crítica da macroeconomia e das políticas econômicas decorrentes, particularmente das políticas de ajustamento estrutural, que decorrem da nova ortodoxia neoliberal a que a ascensão do monetarismo deu vida. Uma de suas teses principais é que a alta da taxa de juros é inflacionária, pois eleva custos tanto de produtores quanto de consumidores e também do governo, o que acarreta déficit orçamentário ou maiores impostos indiretos, os quais também pressionam os preços para cima.
Brockway acha que o banco central dos EUA é que fixa a taxa de juros e a tem elevado, no quadro da nova ortodoxia, para combater a inflação. Mas o efeito foi contraproducente. "O custo dos juros é o único custo que tem efeito universal. Estamos acostumados a ouvir muito sobre a espiral preço-salário, mas um aumento dos preços na indústria automobilística (por muitos anos o saco de pancadas dos especialistas) se propaga lentamente pela economia. (...) Uma 'puxada' na taxa preferencial de um banco influente, por outro lado, tem um efeito imediato sobre as taxas cobradas por todos os bancos do sistema. (...) O custo dos juros não somente é muito mais amplo que o custo do petróleo, ele é também um custo mais alto. (...) Em todos estes anos (de 1974 a 79) e em cada ano dos registros, a parcela de juros líquidos se apropriou de uma parte maior da renda nacional do que o custo do petróleo, e elevar o custo dos juros fez aumentar, e não controlar, os efeitos inflacionários da escalada dos preços do petróleo" (pág. 241, sublinhado por mim).
Continua à pág. Especial-13

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