São Paulo, segunda-feira, 4 de setembro de 1995
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Indústria e cidadania

ROBERTO GUIMARÃES BOCLIN

O país começa a discutir a proposta de reforma tributária do governo. É o momento certo para algumas reflexões acerca da inclusão das contribuições para órgãos como Senai, Sesi, Senac e Sesc entre os encargos trabalhistas passíveis de eliminação pela reforma.
Uma primeira reflexão prende-se ao fato de que o governo Fernando Henrique Cardoso elegeu a preocupação social como uma de suas prioridades. Como pensar, porém, num país mais justo socialmente retirando da Constituição contribuições voltadas ao atendimento social do trabalhador?
No ano de 1988, em plena efervescência do início dos trabalhos da Constituinte, o então senador Fernando Henrique Cardoso prestou importante depoimento num vídeo realizado por Senai, Sesi, Senac e Sesc que visava esclarecer a opinião pública sobre a atuação desses órgãos. No depoimento, contou que seu primeiro trabalho, ainda como estudante de sociologia, foi sobre a ação do Senai nos anos 50 e revelou seu conhecimento sobre a ação desenvolvida pelo Sesc em relação ao lazer das grandes massas. No momento em que se discutia a estatização de Senai, Sesi, Senac e Sesc, afirmou: "Eu não vejo razão para que aumentemos o controle do Estado sobre o que está funcionando bem."
O testemunho revela a compreensão do homem público e do sociólogo para a relevância desses órgãos como promotores da cidadania. Ninguém discute agora a estatização de Senai, Sesi, Senac e Sesc. Mas, na prática, acabar com a contribuição para esses órgãos seria inviabilizá-los e, num futuro próximo, fazer com que os recursos que garantem hoje a formação profissional, a saúde e o lazer do trabalhador -e que provêm da iniciativa privada- recaíssem sobre o Estado.
Esta é uma segunda reflexão importante. No momento em que mais se discute livrar o Estado de encargos, quando mais se propugna uma reforma que o exima de atribuições das quais não tem como dar conta, extinguir a contribuição para Senai, Sesi, Senac e Sesc seria um anacronismo imperdoável, uma espécie de estatização tardia e suicida.
Outra contradição ligada ao eventual fim da contribuição para esses órgãos é motivada por uma análise do quadro da saúde no país. Como abrir mão da contribuição para órgãos como Sesi e Sesc, responsáveis pelo atendimento ao trabalhador em todo o território brasileiro, quando se sabe que a saúde pública no Brasil se encontra à beira do colapso?
O mesmo raciocínio vale para a formação e capacitação profissional da mão-de-obra brasileira, a cargo de Senai e Senac.
Como diretor regional do Senai, acompanho de perto sua atuação em benefício do trabalhador brasileiro. Contamos com centros de formação profissional e de tecnologia, com agências de formação profissional e com unidades móveis de atendimento. Nossos 300 cursos incluem aprendizagem e qualificação profissional em diferentes áreas e dispomos de 44 unidades de ensino instaladas em diversos municípios fluminenses. Desde que foi criado, o Senai-Rio já beneficiou mais de 2 milhões de alunos-operários e aprendizes. Apenas entre 1985 e 1994, formamos 732 mil novos alunos. Como pensar em privar o trabalhador brasileiro da possibilidade de ascensão e aprimoramento profissional que lhe confere o Senai?
Contamos com um Centro de Educação à Distância (Cead), que atendeu, em 1995, a 9.106 pessoas em todo o país e cujo principal produto, o Curso de Noções Básicas de Qualidade Total (Ead), é aplicado em empresas de inúmeros Estados, oito departamentos regionais do Senai e um do Sesi. Conferimos prioridade ao atendimento a populações carentes do Estado, tendo firmado convênios e acordos com o governo estadual, a Fundação Darcy Vargas (Casa do Pequeno Jornaleiro), a Aldeia SOS, mantida pela empresa alemã Karsdat, a Ordem de Malta, o Lar Fabiano de Cristo e a Ação Comunitária do Brasil (ACB), entre tantas outras. Criamos o Projeto Logos, uma organização curricular que enfatiza a polivalência profissional e uma educação identificada com os atributos da cidadania, do raciocínio lógico, da capacidade de interpretação de linguagens, da criatividade, da moral e da ética.
A promoção da cidadania está no fundamento da existência e da constituição de Senai, Sesi, Senac e Sesc. Eliminar a contribuição desses órgãos será impedir, no curto prazo, o acesso de milhões de trabalhadores às maiores redes de formação profissional, lazer e assistência médica do país. Será relegar mais uma vez a segundo plano a cidadania no Brasil. Isso quando a sociedade brasileira mais precisa da cidadania em primeiríssimo plano, como protagonista das ações do governo, de seus homens públicos e instituições.
A indústria e o comércio têm consciência de seu compromisso com a cidadania. É preciso que este seja também um compromisso de toda a sociedade brasileira.

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