São Paulo, quarta-feira, 6 de setembro de 1995
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Essa tal de modernidade

LUÍS NASSIF
ESSA TAL DE MODERNIDADE

A politização do tema tornou difícil no país a conceituação da palavra modernidade. Os críticos de esquerda transformaram tudo o que se refere a modernidade em manifestação de "neoliberalismo". O que não deixa de ser uma grande injustiça para com as teses modernizantes de esquerda.
Slogans são ótimos para alimentar essas longas e muitas vezes inúteis quizílias acadêmicas. O que importa nas idéias é a dimensão das transformações que conseguem provocar no mundo real. O resto -para citar o sociólogo de Bagé, Sérgio Motta- é masturbação sociológica.
Nos últimos anos, a modernização do pensamento brasileiro produziu transformações relevantes no poder público e nas empresas. Os novos valores levantados passaram a ser a busca de soluções individuais, fora do guarda-chuva paternalista do Estado, a exaltação da produtividade e da qualidade, de ambientes competitivos, da inovação em todos os níveis. E, principalmente, a mudança fundamental no enfoque das empresas, passando a privilegiar a figura do consumidor.
Raízes
Os episódios que deflagraram essas mudanças são conhecidos, e quase todos passam pelo governo Collor.
1) Mudanças no comércio exterior, acabando com a parafernália burocrática, e permitindo a mais empresas o acesso a mercados e fornecedores internacionais.
2) Fim de todas as reservas de mercado, especialmente a da informática.
3) Abertura gradual e previsível da economia, induzindo as empresas nacionais a se tornarem mais competitivas.
4) Mudanças na política cambial, acabando com o sufoco histórico das crises cambiais.
5) Lançamento do Plano Brasileiro de Qualidade e Produtividade, que tomou de assalto corações e mentes do setor produtivo, apontando o caminho que deveria percorrer para competir com os importados.
6) Interrupção do paternalismo do BNDES.
7) Fim da ciranda financeira, com o bloqueio de cruzados e com o lançamento do fundão, levando as empresas a perceberem que a única segurança de que dispunham era na sua atividade específica.
8) Lançamento do Código de Defesa do Consumidor.
9) Reinserção do Brasil no mercado internacional de capitais, com o levantamento da moratória e a reaproximação com o Japão.
Idéias e ação
Em sua coluna de ontem -em resposta a meu artigo em que reconheço em Collor virtudes de estadista-, meu colega Clóvis Rossi argumenta que parte dessas idéias já eram propostas por Maílson da Nóbrega (creio que é superestimar o papel de Maílson), e só não foram implementadas por falta de condições políticas.
Mas justamente o papel do estadista é o de criar condições políticas para as mudanças. É essa, e só essa sua função. Até Collor havia uma inibição geral em pensar o Brasil, porque cada proposta nova esbarrava justamente na ausência de condições políticas. Foi sua falta de limites que demonstrou que não há mudança impossível, desde que haja vontade política.
Todo mundo sabia da necessidade de mudar a política cambial de pré-fixações de câmbio. Quem tinha a coragem de botar o guizo no gato? A renovação da indústria automobilística era peça central da recuperação industrial do país. Para tanto, haveria a necessidade de romper com o sistema de privilégios anterior, garantido pela reserva de mercado e pela cartelização do setor. Não dá para banalizar a importância desse rompimento.
Rossi não vê vantagem nenhuma em Collor, já que até Mário Covas falou em "choque do capitalismo". Estadista é homem de ação, não de palavras. Pois a ação de Covas -que é uma pessoa dotada de enormes virtudes pessoais- sempre esbarra em uma dúvida escrupulosa que a paralisa.
Fim de polêmica
Clóvis Rossi encerrou ontem sua participação na polêmica sobre o papel político de Fernando Collor. Encerro a minha hoje.
Ao contrário de tantos jornalistas de marketing, Rossi é um sujeito basicamente escrupuloso, um exemplo na sua vida pessoal e profissional. Por isso, entendo sua dificuldade em admitir que um sujeito inescrupuloso, como Collor, possa ter desempenhado papel relevante na vida do país.
O ideal seria que sir Galahad tivesse sido eleito e promovido as reformas. Mas não existe esse mundo idealizado. Quem rompeu o nó górdio infelizmente foi um sujeito inescrupuloso, que provavelmente tinha pleno conhecimento do sistema de caixinhas montados pelos PCs e PPs da vida.

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