São Paulo, quarta-feira, 6 de setembro de 1995
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Diretores russos opõem cotidiano estável e nova situação política

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Saem em vídeo dois filmes russos, de dois irmãos, "O Sol Enganador", de Nikita Mikhalkov, e "O Ouro dos Tolos", de Andre‹ (Mikhalkov) Konchalovsky. Ambos são de 1994 e têm muito em comum entre si e com a tradição literária de seu país.
Os dois retratam vilarejos cuja rotina é perturbada pela chegada de um estranho e situam essa perturbação num contexto histórico-político determinado.
O de Nikita Mikhalkov, ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro e do prêmio especial do júri de Cannes, é melhor.
Conta a história de um herói revolucionário soviético, Serguei Kotov, que vive no campo com uma filha de nove anos, Nadia, e a mulher, Maroussia. Num verão de 1936, Dimitri, primo e ex-amor de Maroussia, retorna depois de vários anos.
Mais tarde sabe-se que Dimitri veio buscar Kotov, a serviço da nova fase do poder soviético (não esclarecida, mas é a dos expurgos em que Stalin eliminou antigos bolcheviques entre 1935 e 1937).
Dimitri sente afeto por Maroussia e Nadia e é obrigado a fazer tudo sem que elas percebam. Julga Kotov traidor e vice-versa; Kotov sabe que não pode reagir, ainda que lhe doa abandonar sua felicidade individualista.
Essa tensão dramática é conduzida com sutileza por Mikhalkov. Os atores estão contidos; o cenário bucólico é banhado por uma acolhedora luz solar alaranjada (apesar de uma bola de fogo que aparece voando nos instantes de ruptura, kitsch porque desnecessária).
Fugindo do literal, o filme cria uma ambivalência tocante entre passado (o bem-estar da família) e futuro (o desfecho trágico) que tem um tom de conto de Tchecov.
Konchalovsky também mostra a ilusão de um cotidiano estável numa situação política que de repente vem bater à porta. Mas o registro é de comédia. Os valores a que os camponeses são aferrados, nessa história que se passa no governo Ieltsin, são claramente mostrados como patéticos.
Asya, a protagonista, uma mulher ridícula (considera uma galinha sua melhor amiga), se vê, como os outros habitantes, transtornada pela riqueza crescente de um deles, Chirkunov -dono de eletrodomésticos, carros e bens materiais em quantidade exclusiva.
Há uma revolta para expulsá-lo do vilarejo. O conflito evolui em peripécias que levam todos ao desespero e a verificar sua própria inadequação ao capitalismo.
Os diálogos, que são numerosos, deviam ser muito mais engraçados ou sugestivos para sustentar essa história que lembra os contos realistas de Maxim Gorki.
Mas, ao contrário de seu irmão, Konchalovsky mantém uma narrativa convencional, centrada no relato. Não é fácil escapar à força da literatura russa.
Filme: O Sol Enganador
Direção: Nikita Mikhalkov
Elenco: Oleg Menchikov, Ingeborga Dapkounaite
Lançamento: Flashstar Home Video (tel. 011/255-9911)
Filme: O Ouro dos Tolos
Direção: Andre‹ Konchalovsky
Elenco: Inna Tchourikova, Alexandre Sourine
Lançamento: Look Filmes (tel. 011/536-0677)

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