São Paulo, quarta-feira, 6 de setembro de 1995
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Ainda a Justiça Militar da PM

HÉLIO BICUDO

Depois de permanecer cerca de dois anos na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, o projeto -originário da Câmara dos Deputados- que procurava deslocar a competência para o processo de julgamento dos crimes praticados por membros da Polícia Militar nas atividades de policiamento, hoje cometida à Justiça Militar das corporações policiais militares, transferindo-a para a Justiça comum, obteve o voto da maioria daquela Comissão, devendo ir a plenário para que nada seja alterado nessa relevante questão.
O projeto em questão nasceu a partir da constatação feita pela CPI que investigou a eliminação de crianças e jovens no Brasil. Essa comissão chegou à conclusão de que grande número das crianças e jovens era eliminado pelas Polícias Militares. E mais: que a violência que se praticava vinha acalentada pela complacência das auditorias e tribunais da Justiça Militar das polícias militares em todo o país.
Acrescente-se que a impunidade é a tônica na Justiça Militar das corporações policiais, quando se trata da apuração e punição de crimes cometidos por policiais militares nas atividades de policiamento ostensivo, que são atividades eminentemente civis, sendo inaceitáveis os argumentos em prol de sua manutenção. A não ser, evidentemente, que se queira manter esse deprimente "status quo".
E, diante das omissões e protelações desse arremedo de Justiça, a violência policial vem assumindo as proporções alarmantes encontradas em episódios marcantes, como aconteceu em Acaraí, Vigário Geral, Carandiru, Cascavel e, mais recentemente, em Corumbiara, no Estado de Rondônia.
Mesmo diante dessa realidade, quando uma dezena de procedimentos -em que se encontra clara a denegação de justiça mediante um entendimento corporativo das atribuições das auditorias e tribunais- são assumidos pela Organização dos Estados Americanos, que os encaminhou, pela sua gravidade, à decisão da corte internacional dessa entidade, a Comissão de Justiça do Senado tergiversa e se dobra ao "lobby" das polícias militares e de suas justiças, representadas em massa quando se adotou a mal-ensinada solução.
Na verdade, deixando de lado o substitutivo do relator, senador Roberto Freire, que restituía a situação aos termos da súmula 297 do Supremo Tribunal Federal, que entregava esses delitos à Justiça comum, a Comissão de Justiça do Senado, ao aprovar o texto deformado na Câmara, atribuindo à Justiça comum apenas o julgamento dos crimes dolosos contra a vida nas funções de policiamento, na verdade choveu no molhado, pois a competência da Justiça comum, para esses delitos, está prevista na Constituição Federal.
Não se apele para nefelibatismos, como se costuma fazer, para a manutenção de uma situação insustentável, segundo os melhores princípios que qualificam as altas funções de distribuição de justiça.
Desconhece-se, para atender ao "lobby" da Polícia Militar, as considerações que vêm sendo feitas pela Ordem dos Advogados do Brasil, pela Associação dos Juízes pela Democracia, pelas entidades de direitos humanos, pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, pela CNBB, pelas centrais sindicais, enfim, pode-se dizer, pelo povo por meio de seus segmentos mais representativos.
Entretanto, como todo erro pode ser corrigido, já desponta na Câmara dos Deputados outro projeto, talvez mais bem elaborado, que se espera tenha tramitação normal, para pôr termo a essa excrescência, responsável em larga escala pela violência policial que se espraia de maneira incontrolável por todo o território nacional.

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