São Paulo, domingo, 10 de setembro de 1995
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Abertura já, multas também

MARCELO LEITE

A Folha iniciou há duas semanas uma série de reportagens sobre abertura dos meios de comunicação ao capital estrangeiro. Até onde estou informado, foi o primeiro órgão de imprensa a tocar no assunto, um tanto óbvio nesta fase aguda de -permita-me o neologismo- constituíte (febre de rejeição ao propalado "atraso" da Carta de 1988).
As reportagens foram publicadas nos dias 27, 28 e 29 de agosto.
O jornal colheu resultado surpreendente. É difícil encontrar quem não defenda a abertura. Mesmo entre políticos e sindicalistas à esquerda, sempre mais nacionalistas.
Esta é a primeira evidência de que não se trata de uma campanha contra a soberania nacional na comunicação, como poderiam imaginar leitores desconfiados (assim deve ser todo leitor). O que eles não teriam como saber é que o assunto chegou ao jornal por sugestão de um seu colega de anonimato.
Nome: Jacir Roberto Guimarães, do Rio de Janeiro. Ele escreveu em 9 de junho ao ombudsman para protestar contra a acusação de xenofobia que se dispara contra quem ousa questionar a abertura da economia. E pinçou da Constituição (artigo 222) a reserva do mercado de comunicação para brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos:
"Jornalista profissional, tenho interesse na ampliação do mercado de trabalho com o ingresso do capital estrangeiro no setor. Por outro lado, causa estranheza a omissão por parte da grande imprensa de tal 'xenofobia' contra o capital estrangeiro. (...) Este fax é dirigido a você, pois tenho certeza de que dificilmente será publicado na seção de cartas".
A publicação das três extensas reportagens é uma prova de que nem sempre o jornal está fechado a sugestões de leitores, por desafiadoras que sejam.

Oligarquias
Já vou logo esclarecendo que sou a favor da abertura da imprensa ao capital estrangeiro. Não para seguir a maioria, mas porque não há à vista argumentos de peso para a restrição.
Segundo informou a Folha, a limitação data do tempo de Getúlio Vargas e se perpetuou na legislação brasileira. Era uma época de nacionalismos em confronto. Como um eco, a maioria dos países desenvolvidos ainda preserva restrições à propriedade de meios de comunicação por estrangeiros, em especial de TVs.
Abstratamente, parece mesmo razoável reservar para nacionais o controle dos meios de difusão da informação. Supõe-se que estariam mais inclinados a preservar a própria cultura (língua, valores e tradições) do que estrangeiros. Os legisladores não faziam idéia da profundidade da má consciência dos brasileiros.
Foi durante décadas de reserva que o país passou por um processo intenso de americanização. Ao menos da elite de consumo, que vai ao McDonald's e mora em Alphaville para sentir-se em Miami. E foi também nesse período que teve lugar uma decadência sem precedentes da língua-pátria...
Na coluna dos prós, os argumentos são mais abundantes:
Estima-se que a abertura traria investimentos de até US$ 1 bilhão em três anos;
A capitalização permitiria maior investimento em tecnologia, o que em princípio -em princípio, note bem- melhoraria a qualidade dos produtos;
A abertura já existe no setor de TV por cabo, em que empresas podem ter sócios estrangeiros até o limite de 49%;
Analistas sustentam que o capital fluiria mesmo se persistisse uma restrição à participação majoritária de estrangeiros, pois seria útil associar-se em 30% ou 40% com uma empresa nacional já estabelecida.
O efeito principal dessa injeção de capital, porém, seria a aceleração da decadência das oligarquias regionais ancoradas no mar de concessões políticas de canais de rádio e TV. Isso porque os investidores escolheriam como parceiros empresas modernas e dinâmicas, não os feudos descritos em outra competente série de reportagens, de autoria de Elvira Lobato.
Como bem disse o advogado Fábio Konder Comparato à Folha: "Este é o último bastião da oligarquia. É só o que restou para as classes que nos dominam desde 1500".

Outras leis
Em minhas próximas colunas, pretendo pôr em discussão outros pontos da legislação que dizem respeito à imprensa. São pelo menos três os projetos em andamento: uma nova Lei de Imprensa, eliminação da isenção de impostos para papel de imprensa (art. 150 da Constituição, inciso VI), proibição constitucional de que se divulguem pesquisas de intenção de voto antes de eleições.
Permito-me adiantar uma das principais discussões em torno da nova Lei de Imprensa, a substituição de penas de prisão, nos delitos de opinião, por multas e indenizações. Faço-o por duas razões: o tema tem relação direta com a polêmica sobre a entrevista de Fernando Collor ao SBT, abordada aqui no domingo passado; além disso, uma proposta estranha de critérios para indenização foi divulgada há dias.
Na última terça-feira, Luís Nassif, titular da prestigiada coluna no caderno Dinheiro da Folha, fez sua tréplica ao meu texto intitulado "O zumbi". Pretendo encerrar a educada discussão -pois concordamos no essencial, que a imprensa deve aprender com seus erros e abusos- por meio de duas observações de ordem lógica:
Nassif cobra-me a evidência de uma relação causal entre a suposta atmosfera de dissolução moral na Casa da Dinda e os desmandos no Palácio do Planalto. Não cabe a cobrança, pois tive o cuidado de qualificar essa relação como de verossimilhança.
Ele mesmo estabelece uma relação causal entre a sanha inquisitiva do Collorgate e o triste caso da Escola Base, que na minha visão não subsiste. Erros de imprensa como esse podem acontecer ainda hoje, a qualquer momento, pois se originam de incompetência, negligência, hiperconcorrência e acaso. A mistura não precisa de ambiente aquecido para voltar a explodir.

Multas
Minha convicção é de que somente a introdução de multas terá eficácia para diminuir a ocorrência desses acidentes (pois não acredito que tenha havido dolo no caso Escola Base). A pena de prisão vigente -herança do autoritarismo militar- não representa ameaça real para jornalistas negligentes, pois nunca é aplicada.
Não está ainda definido se as multas devem ter um valor máximo fixado, ou se cabe ao juiz arbitrá-lo de acordo com a extensão do dano. A Associação Nacional dos Jornais (ANJ), como seria de prever, reivindica que haja um teto.
Parece-me no entanto estranho dividir as ofensas cometidas por jornalistas em municipais, estaduais e federais, como propôs há dias o deputado Pinheiro Landim (PMDB-CE), relator da nova Lei de Imprensa. As multas máximas seriam, respectivamente, R$ 10 mil, R$ 50 mil e R$ 100 mil.
Num primeiro momento, entendi que a honra de um prefeito valeria um décimo da de um presidente da República. Depois, conversando com pessoa informada, soube que a delimitação tem caráter geográfico e se refere à área de abrangência do órgão. Ou seja, um jornal de circulação nacional estaria sujeito a multas dez vezes mais altas que um municipal.
Haverá muitas dificuldades, certamente, para caracterizar as publicações. A edição São Paulo da Folha, por exemplo, circula também no Distrito Federal. É municipal ou federal?
A idéia da proporcionalidade em relação à circulação é boa, porque esta funciona como uma medida do dano sofrido. Mas talvez se devesse pensar num critério mais direto, como um percentual fixo da tiragem multiplicada pelo preço de capa, no caso de órgãos impressos.
Enfim, é preciso mais discussão pública sobre o assunto -se é que o público está mesmo interessado em ter algum controle sobre a imprensa.

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