São Paulo, terça-feira, 12 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Concordatas na construção civil pesada

JOÃO BOSCO LODI

O setor de construção civil pesada encontra-se num estado de desmonte sem precedentes em várias décadas. Grandes construtoras que tinham faturamentos superiores a R$ 500 milhões ao ano situam-se hoje em faixas inferiores a R$ 250 milhões. A média das grandes construtoras atua hoje na faixa de R$ 60 milhões a R$ 150 milhões.
A crise Collor, mais a CPI do Orçamento, mais a inadimplência do governo paulista levaram a uma descapitalização geral do cliente e do fornecedor. Pagamentos estão em atraso desde novembro. Estimam-se 50 mil desempregados neste começo de ano. Escritórios centrais, escritórios regionais, gerências de contratos, sedes de obras estão fechados. Os escritórios de Brasília, obviamente, estão vazios.
As reuniões das associações de classe e o Fórum da Construção Civil expressam a sensação geral: problemas agudos de caixa, aviltamento de preços nas concorrências, atrasos de pagamento, venda de ativos, falta de perspectiva. O governo, absorvido na sustentação do Real, não oferece perspectiva de retomada para o setor no médio prazo.
Nós, os consultores que trabalharam longos anos para esse setor, vemos com tristeza e apreensão o destino de tantas pessoas amigas.
1 - Mudança de rumo
As construtoras tentam agora mudar o rumo da empresa, transferindo-o do âmbito público para o privado -edificações urbanas e habitação popular-, mas essas áreas já se encontram congestionadas pelos que chegaram antes.
As empreiteiras contratam onerosas reengenharias que oferecem apenas opções de enxugamento de folha. A saída de quase todos é redimensionar para dez anos atrás, conformando-se com uma faixa de vendas de 20% a 30% do desempenho dos anos anteriores.
Apesar do senso de urgência, não há perspectiva clara para o setor nos próximos anos. Quem diversificou há mais tempo (hotelaria, shopping centers, desenvolvimento turístico, valorização de áreas urbanas, cimento, exportação de serviços, agroindústria, limpeza urbana) encontra uma compensação alternativa.
Quem não o fez é forçado a buscar agora uma opção apressada para sobrevivência no curto prazo. Mas muitos vão morrer na praia. Para agravar ainda mais, as empreiteiras estavam muito verticalizadas. Havia um conglomerado de coligadas na dependência do negócio principal: mineradoras, pedreiras, canteiros de equipamento pesado, empresas de engenharia e projetos.
É penoso ser crítico de obra acabada, mas aqui temos mais um "case de falta de visão estratégica: degradação e empobrecimento do Estado já eram visíveis desde a metade da década anterior. O empreiteiro, como especialista em orçamento de governo, devia saber muito bem.
A pressão exercida pelos lobbies desde a abertura da "Nova Republica foi uma resposta adaptativa, mas apenas tática e insuficiente, ao enxugamento das finanças do Estado. A decisão estratégica não era recrudescer a pressão dos lobistas, mas diversificar dentro e fora do país. A pior coisa que se pode fazer é criar uma rotina e depender dela. Terminou um ciclo de vida.
2 - Previsão de grandes alterações societárias
Apesar das concordatas conhecidas, a empreiteira sabe que pedir concordata é se desqualificar para concorrências devido à legislação no setor. É previsível que várias sociedades encerrem suas atividades, diminuindo o número de empresas no setor. Outras buscarão uma fusão para otimização de recursos e parceria de contratos.
Empreiteiras públicas serão incorporadas a empresas de edificação urbana do mesmo grupo. Sócios venderão participações para sócios remanescentes ou para empregados, ou buscarão uma renda pessoal de sustentação em outra atividade fora do grupo.
Alguns Estados como Minas, Rio e Bahia, onde o setor de construção pública é expressivo, terão reduzido o número dessas empreiteiras e aumentado a mão-de-obra desempregada, do peão ao engenheiro residente e ao gerente de contrato. Toda uma geração de veteranos irá se aposentar ou trocar de ramo.
A nova lei das licitações favorece a ascensão de pequenas e desconhecidas competidoras regionais. Algumas construtoras de âmbito nacional procurarão sócios regionais. É improvável a globalização deste setor da economia com a entrada de multinacionais, dada a forma particular de ligação entre a construtora, os poderes públicos e os seus clientes.

Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna de LUÍS PAULO ROSENBERG.

Texto Anterior: Passo seguinte; Trajetória comum; Palavra de leigo; Preço da palavra; Um por um; Mais divisas; Modelo americano
Próximo Texto: Ford pretende fechar mil vagas após férias
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.