São Paulo, terça-feira, 12 de setembro de 1995
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A falta do senso de urgência

LUÍS NASSIF
A FALTA DO SENSO DE URGÊNCIA

Há anos, a Siemens do Brasil preparava-se para assumir toda a área de fabricação de hidrogeradores da Siemens mundial. Haveria a transferência total de tecnologia de outras unidades do grupo e a criação de um centro de competência, gerador de know-how.
A combinação de política cambial defasada e juros internos extorsivos quase levou a matriz a rever seus planos. Durante alguns meses, o projeto perigou. O presidente da Siemens do Brasil, Herman Wever, só conseguiu preservar o projeto argumentando que esses produtos são de ciclo longo -entre o pedido e os primeiros embarques, há um prazo mínimo de dois anos- e, até lá, a política cambial já terá sido alterada.
Na semana passada, a empresa bateu o martelo e em 1º de outubro o projeto começa a ser implantado.
O investimento foi salvo devido ao fato de a empresa já estar implantada no país. Mas o mesmo pode não estar ocorrendo com o volume de novos investimentos com os quais as autoridades contam para tirar o país da recessão.

Falácia
Nessa política recessiva, o governo pode estar jogando o país em uma armadilha mortal: a chamada falácia do investimento garantido.
A lógica do governo é mais ou menos a seguinte:
1) O país tem investimentos vultosos e garantidos a partir de 1996, por conta das reformas, mas, basicamente, das perspectivas para o mercado interno abertas pelo Plano Real.
2) O único fenômeno que pode abortar esse movimento -de acordo com o governo- é a volta da inflação, estimulada justamente pelo aquecimento da demanda pós-Real.
3) Não importa o tamanho da recessão que a economia terá de enfrentar este ano. Desde que se debele a inflação, a partir do ano que vem o desenvolvimento estará garantido, pelo nível de investimentos já assegurados.
A falácia está no fato de que o nível de investimento dos próximos anos será dado pelo nível da atividade econômica deste ano. Ou seja, as projeções de investimento para 1996 não tomarão por base a explosão de vendas do porre do Real, mas o nível de vendas da ressaca pós-Real.
Portanto, quanto maior a recessão atual, menor o volume de investimentos que será atraído para o país, ajudando-o a sair da recessão.

Promessas
É o que pode estar ocorrendo com o setor automobilístico.
O fato de se ter um mercado interno que poderia chegar a 2,5 milhões ou 3 milhões de unidades vendidas em apenas dois anos despertou o interesse de inúmeras companhias estrangeiras -de coreanas a francesas.
Mas, segundo um experiente homem do setor, proprietário de empresas de autopeças, dificilmente esse interesse se traduzirá em investimento específico, devido a uma razão objetiva: a recessão imposta ao país pela política de juros alterou todas as projeções anteriores sobre o mercado automobilístico.
Os únicos investimentos garantidos -diz esse observador- são da Volkswagen e da Ford, por razões bastante pessoais. Com a separação do casamento entre ambas (na Autolatina), a Volks precisou fabricar os caminhões que a Ford produzia e a Ford os carros que a Volks fabricava.
Mas repare -diz esse analista-; ao mesmo tempo em que o "board" da Ford autoriza investimentos no país, a montadora é obrigada a demitir trabalhadores, devido à expressiva redução das vendas. Todos os planos de investimento no país terão que ser reescritos, com novas projeções em cima de um quadro recessivo.
Segundo esse observador -que tem empresas em outras áreas da economia-, o único setor com investimentos garantidos é o de telecomunicações, devido à abertura do mercado.

Hora certa
Essa falta de senso de urgência da parte do governo tem sido levantada por Wever. A valorização das moedas européias criou um intenso movimento de busca de alternativas de investimento por parte do capital europeu. Na década de 80, os investimentos diretos no mundo estavam no nível de US$ 50 bilhões/ano, dos quais apenas 15% destinados a países do Terceiro Mundo. Agora, o nível de investimentos saltou para US$ 150 bilhões e a parcela destinada aos países em desenvolvimento subiu para 40%.
Só que a valorização do câmbio na América Latina -segundo Wever- tem feito as empresas européias buscarem o Leste Europeu, mas principalmente o sudoeste da Ásia, incluída a China.
"Temos a oportunidade histórica, que nunca tivemos antes, de desenvolver o Brasil com investimento produtivo", alerta Wever. "Não se pode perder essa oportunidade por uma questão de má gestão econômica e de falta de sentido de urgência".

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