São Paulo, terça-feira, 12 de setembro de 1995
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Eder Santos transplanta vídeo para cinema

MARIO CESAR CARVALHO
ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE

Aos sete anos, Eder Santos viu "Branca de Neve e os Sete Anões", desenhou o filme de Disney num caderno e tomou uma decisão: seria diretor de desenhos animados.
Aos 34 anos, Santos estréia no cinema com um Disney às avessas. "Enredando as Pessoas", que passa hoje na 7ª Mostra de Cinema do Banco Nacional, não tem ação nem diálogos; só monólogos falados em espanhol.
Não, Santos não enlouqueceu. Entre o sonho de dirigir desenhos animados e o primeiro filme, ele virou um dos principais nomes da videoarte brasileira.
Sua marca registrada no vídeo é a manipulação das imagens ao extremo: estica, puxa, recorta, inclui novas iluminações, novas texturas, sobrepõe textos.
"Enredando as Pessoas" assusta porque Santos não jogou no lixo uma vírgula de sua linguagem de vídeo ao fazer cinema. São pequenas histórias contadas por atores sempre olhando para a câmera. Seu tema é o meio em que trabalha: a manipulação de imagens.
Ele não deixou virgem nenhuma das cenas filmadas -todas foram trituradas por efeitos, como se o acúmulo restituísse um poder que as imagens perderam. "Gostaria que cada imagem fosse vista como um quadro", diz Santos, que estudou artes plásticas e design antes de fazer vídeo.
Seus planos não são nada modestos. Acha "o cinema muito primitivo". Quer "destruir a imagem do cinema para construir uma outra imagem", como disse à Folha (leia entrevista abaixo).
Santos parte de uma platitude -a de que a linguagem do cinema está, no mínimo, um ou dois passos atrás da tecnologia.
O motivo é mais ou menos simples. Cinema é química, luz sensibilizando uma película de acetato, uma espécie de plástico; qualquer efeito mais complexo custa dezenas de milhares de dólares.
Vídeo é eletrônica, pode ser tratado por máquinas computadorizadas e custa de dez a cem vezes mais barato que cinema.
Santos tentou ficar com o melhor dos dois mundos: filmou com película de cinema, meio em que a qualidade de imagens é superior, montou em vídeo e passou a imagens para cinema de novo.
Gastou cerca de USŸ 300 mil -quase um terço do que consumiu o filme "Cinema de Lágrimas", de Nelson Pereira dos Santos.
Globalização
O caminho que Santos percorreu para fazer "Enredando as Pessoas" parece uma caricatura do cinema brasileiro. Conseguiu filme, câmeras e dinheiro para o cachê dos atores com o Instituto Dinamarquês de Filmes -o equivalente a USŸ 100 mil.
Escreveu o roteiro com uma bolsa que ganhou da Fundação Vitae, de São Paulo. Finalizou o filme na 4 Media Company da Califórnia, empresa em que Francis Ford Coppola usou para fazer "Peggy e Sue - Seu Passado te Espera", com uma bolsa da Fundação Rockfeller, dos EUA.
Um dos fotógrafos do filme, Adam Cohen, e o autor da trilha sonora, Stephen Vitielo, são norte-americanos. A Espanha entrou com atores e locais da filmagem -Barcelona e Santiago de Compostela, principalmente.
"Seu eu ficasse parado no Brasil dificilmente faria o filme", diz Santos. Contou aí, também, a projeção internacional do diretor, mais conhecido fora do Brasil do que aqui.
Vídeos seus como "Janaúba", "Essa Coisa Nervosa" e "Não vou à África Porque Tenho Plantão" colecionam prêmios nos Estados Unidos, na França, na Alemanha e no Canadá.
Seus trabalhos já foram exibidos pela TV pública dos EUA, pelo Canal Plus francês e pela BBC da Grã-Bretanha.
No Brasil, ganhou prêmios no Festival Videobrasil, expôs na primeira versão do Arte/Cidade, mas na televisão ficou aprisionado na MTV.
Foi um dos diretores de "Netos do Amaral" (1991), programa de Marcelo Tas, e fez clip para Paralamas do Sucesso, Milton Nascimento, Skank e Lobão.
O resultado desse descompasso -reconhecido no exterior e quase ignorado no Brasil- é que "Enredando as Pessoas" passa no dia 4 de outubro numa mostra no Museu de Arte Moderna de Nova York e não tem distribuição garantida nos cinemas brasileiros.

Filme: Enredando as Pessoas
Direção: Eder Santos
Produção: Brasil/Dinamarca
Elenco: Monica Ribeiro, Rui Moreira, Hernan Zavala, Resu Belmonte. Quando: hoje, às 19h na sala 1 do Espaço Banco Nacional de Cinema em São Paulo (r. Augusta, 1.475, tel. 011/288-6780)
Quanto: R$ 6,00 (inteira) e R$ 3,00 (meia).

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