São Paulo, sexta-feira, 15 de setembro de 1995
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Salles retoma seus exilados em novo filme

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Terra Estrangeira", o segundo longa-metragem de Walter Salles (ex-Jr.) e o primeiro de Daniela Thomas, abriu ontem a mostra competitiva do Festival de San Sebastian (Espanha).
Envolvendo dois brasileiros numa trama policial em Lisboa, a primeira parceria da dupla deve estrear nas salas brasileiras em novembro, no meio de uma série de convites para festivais internacionais (Biarritz, Londres, Paris, Peyssac, San Francisco).
A caminho de San Sebastian, o co-diretor Walter Salles concedeu com exclusividade à Folha, por fax, a seguinte entrevista.

Folha - "A Grande Arte" era falado em inglês e tratava de um estrangeiro no Brasil. "Terra Estrangeira" é falado em português e trata de dois brasileiros emigrantes. "Socorro Nobre", seu curta, enfoca um imigrante polonês e um brasileira "fora do país", condenada ao planeta-presídio. Que mal-estar é este que torna "ser estrangeiro" a questão central de seus filmes?
Walter Salles - Paco e Alex, de "Terra", e Krajcberg e Socorro Nobre têm realmente um ponto em comum: todos são, de uma forma ou de outra, exilados, vêem o mundo de fora. Todos tiveram que se rebatizar, todos partiram à procura de um novo pai/país.
É um sentimento que Fernando Pessoa resume bem quando ele diz, "viajar, perder países", e que Daniela e eu dividimos -passamos boa parte de nossas vidas pulando de cidade em cidade.
Folha - San Sebastian foi escolhido como paraíso mítico por ser um dos centros de um "país estrangeiro" (o País Basco) num outro país (Espanha)?
Salles - Os bascos também são exilados -no seu próprio país. Não são definitivamente espanhóis, falam uma outra língua, cuja origem é desconhecida.
Folha - "Terra Estrangeira" tem um rigor de enquadramento que surpreende num filme rodado tão rapidamente. Vocês trabalharam com um "story-board" preciso?
Salles - Não, não houve "story-board", nenhuma cena foi desenhada. Mas, como o filme foi ensaiado como uma peça de teatro antes de ser rodado, a decupagem foi se impondo naturalmente. A descoberta do quadro é para mim um momento extremamente prazeiroso na hora de filmar. Hoje estou consciente da necessidade de integrar o quadro à narrativa.
Folha - Como nasceu a idéia da co-direção?
Salles - Essa decisão foi se tornando lógica à medida que escrevíamos o roteiro. Nunca discutimos durante as filmagens, as dúvidas se resolveram durante os ensaios. Estou acostumado à co-direção em documentários e sei que só dá certo quando as pessoas aprendem uma com a outra.
Folha - Por que filmar em preto-e-branco?
Salles - O preto e branco tem a faculdade de inserir imediatamente o filme num tempo histórico determinado. Exerce uma função narrativa comparável à do super 16 mm, que é uma câmera mais móvel que a 35 mm, portanto mais urgente, jornalística. Tudo isso serve ao filme.
Folha - A Portugal de "Terra Estrangeira" lembra muito a de dois filmes: quando em Lisboa, "A Cidade Branca" de Alain Tanner, quando na estrada, "O Estado das Coisas" de Wim Wenders. Foram essas mesmas as referências principais?
Salles - Sem dúvida, "A Cidade Branca" mais até do que "O Estado das Coisas". Foi com o filme do Tanner que entendi o que o Vieira da Silva queria dizer quando falava que o tempo, em Lisboa, não fluía de forma linear.

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