São Paulo, sexta-feira, 15 de setembro de 1995
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AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Cenas têm sofisticação visual
São Paulo, março de 1990. Collor toma posse e congela os recursos de milhões de brasileiros. O susto mata a costureira espanhola Manuela (Laura Cardoso), que se preparava para levar o filho Paco (Fernando Alves Pinto) a conhecer sua cidade natal, San Sebastian.
Sem maiores laços, Paco aceita um serviço de "courrier" internacional (na verdade, algo menos nobre) e parte para Lisboa, primeira parada de sua viagem à terra materna.
Lisboa, março de 1990. A brasileira Alex (Fernanda Torres) cansa-se da irresponsabilidade do namorado Miguel (Alexandre Borges), músico e trambiqueiro, abandona o emprego de garçonete e refugia-se com um amigo português, o doce livreiro Pedro (João Lagarto). Um golpe de Miguel catalisa tudo: sua própria morte, a perseguição a Alex pelo chefão Igor (Luis Melo), o encontro entre ela e o ingênuo Paco, aos quais não resta outra alternativa exceto pôr o pé na estrada. Direção: sempre San Sebastian.
"Terra Estrangeira" começa como um melodrama, desenvolve-se como policial e conclui-se como "road movie". A recusa a um único gênero é um de seus trunfos. A imprecisa elaboração de seu roteiro, sua principal fraqueza.
A questão central do filme, a da orfandade essencial dos protagonistas, a falta de um casa, seja familiar, seja nacional, a busca de um novo "pai/país' como dizem Salles e Thomas citando o psicanalista Contardo Calligaris, já se apresenta plenamente no enredo. Visando explicitá-la ainda mais, frisando as pretensões existenciais daquele que ao desatento poderia passar por apenas mais um filme de ação, "Terra Estrangeira" acumula declamações de Fernando Pessoa, diálogos "profundos" e nada coloquiais, palavras, palavras demais.
Além de ocupar os ouvidos, essa ânsia pelo explicitamente estético e filosófico assume também a forma de desvios de narrativa que não tem outro objetivo que não o de encher os olhos. O exemplo máximo é o da freada da perseguição final para que Alex e Paco se encantem com uma mítica e deslumbrante nau encalhada (na realidade, na ilha da Boa Vista em Cabo Verde). É quando o esteticista vence o cinematográfico.
"Terra Estrangeira" não precisaria de nada disso. É um filme de rara sofisticação visual e sonora, com planos milimetricamente construídos, extraindo sempre o efeito dramático mais contundente, e uma sutil trilha de estréia de José Miguel Wiznik. Sua trama tem interesse crescente, como ascendente é o desempenho do elenco, com destaque para o português João Lagarto. O confronto final, porém, tropeça em outra solução inverossímil. Coerente com seu tema, "Terra Estrangeira" é um filme esquizotímico.

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