São Paulo, sexta-feira, 15 de setembro de 1995
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Ismos e neos

JOSÉ SARNEY

Tenho um sobrinho surfista no Maranhão, desses que são a tentação dos tubarões, que outro dia me disse: "Tio, eu agora sou neo!". Perguntei-lhe: "O que é neo, meu filho?". Ele respondeu: "É massa, tio, massa!". Continuei platônico e quis ir mais longe no diálogo: "E massa, o que é?". "Massa é jóia, super-super!" "E super-super, jóia?" "Não sei, tio, mas sou e é uma boa!"
No meu tempo de moço o modismo eram os ismos. Nós estávamos muito dedicados à tarefa de pensar. Era uma geração que queria descobrir a fórmula de tornar o mundo feliz. Um tempo de bondade eterna. Certamente, éramos uma geração angustiada. Em vez do prazer pessoal, do hedonismo, pensávamos coletivamente.
Era um tempo muito propício às formulações ideológicas. Mas, se o global nos unia, o caminho, a práxis, nos dividia. Os dois maiores "ismos" do século serviam de um divisor de águas: o comunismo e o fascismo.
Ambos formas de totalitarismo (outro ismo): um de esquerda, que proliferava em países pobres, Rússia, Ásia e alguns países que depois se uniram à URSS; e o fascismo, de direita, nos países ricos, Alemanha, Itália, com algumas ramificações e simpatias na América Latina, como Perón na Argentina e as incursões do integralismo no Brasil, que teve algum tempo a simpatia de Vargas.
Agora, com a possível morte dos "ismos" utópicos e a ascensão do ismo, pragmatismo, a moda é o neo. Tudo é neo, bem diferente do que é novo. Na política, outrora, em torno de pessoas, nasciam os novos. Era roupa atual para o mesmo corpo. Foi a criação do Clube Liberal, do conselheiro Nabuco, no Império, depois Carlos Peixoto e o "Jardim de Infância" e, nos anos 50, a bossa-nova da UDN, a "ala moça e os jovens turcos" do PSD.
Agora, a coisa é diferente. O neo não é o novo, adjetivo, mas o prefixo na criação de um substantivo. O neoliberalismo, neoconservadorismo, neo-socialismo, neocristianismo etc. e tal. Até o presidente Fernando Henrique entrou na onda e declarou-se neo-social.
No fundo é a tentativa de manter uma coerência que não é possível, pois o neo atual nada tem a ver com a ideologia que ele pretende modificar. Afinal, um neoconservador já não é conservador porque, sendo neo, já não conserva. E o neo-socialista? E o neocomunista? Sem partido único, sem luta de classes, sem a revolução, sem a sociedade da igualdade, não pode ter neocomunista. É que as palavras perdem a significação. Já não são para dizer o que significam, mas justamente para disfarçar o que não se pensa mais.
Lembro-me de quando ouvi pela primeira vez a palavra "desenvolvimentismo" como substitutivo para designar progresso e, agora, "flexibilização", em vez de reforma.
Como dizia o poeta Raul de Freitas, do Maranhão: "É o jogo da semântica". Digo eu: "É massa". Mas não sei o que é, como Mário de Andrade que morava na rua Lopes Chaves e nem sabia quem era Lopes Chaves.

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