São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Nos cultos, fiéis doam dinheiro para vencer diabo

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

O culto na Igreja Universal do Reino de Deus começa com um sermão que dura cerca de uma hora. O pastor veste camisa de manga comprida e gravata. Fala ao microfone. No meio do templo há outro microfone, dependurado sobre a platéia.
Não se vêem as câmeras de televisão que gravam os cultos que a Rede Record exibe durante a madrugada. Estão ocultas sob uma vidraça à esquerda do palco e, para mostrar o pastor, no mezanino.
A sede da Igreja Universal, no Brás (r. Celso Garcia, 499), em São Paulo, visitada pela Folha durante a semana passada, tem capacidade para cerca de 3.000 fiéis.
Vestidos com roupas humildes, eles são vigiados por "obreiros" (assistentes do pastor), também engravatados, que chegam a cem no culto das 20h -em que a igreja está quase lotada. Nos outros dois cultos diários, às 10h e às 18h, o número varia de 30 a 50.
Enquanto o pastor fala, as pessoas, sentadas, não olham para o lado. Respondem a quase toda pergunta que ele faz. "Sim ou não?", "Amém, pessoal?" e "Tá legal?" são algumas das expressões que pontuam o sermão.
Também pede acenos de mão para "quem sente a presença de Deus". Todos fazem o gesto.
A coloquialidade do pastor é a primeira característica notável. A outra, sua coerência -ele raramente cai em auto-contradição.
Sua linha básica encordoa dois argumentos: as pessoas sofrem de "sentimento de inferioridade" e é por isso que não conseguem o que querem; para combatê-lo, apenas precisam acreditar em Deus e dar dinheiro à Igreja Universal.
"Quanto mais se dá à igreja, mais se recebe", diz. "Muita gente veio me dizer que, depois de entrar na igreja, conseguiu casa própria, carro novo e outras coisas."
O pastor de quarta-feira à noite reforçou a imagem com uma lei da física (lei da ação e reação): "Se empurro este púlpito para lá, ele me empurra para cá. É a mesma coisa que acontece com a oferta que você faz. Tudo que você der, receberá depois, e em dobro".
Mas o assunto dinheiro fica para a parte do final do discurso. Antes, ele se dirige ao desamparo emocional das pessoas. "As pessoas se subestimam", diz.
Quase tudo que é dito é ilustrado. Para mostrar como a falta de auto-estima prejudica a vida, ele pode pintar a seguinte imagem: "Não adianta você parar diante de um prédio, olhar para a cima e dizer: 'Ah, se esse apartamento fosse meu'. Você tem de dizer: 'Esse apartamento será meu'."
E pode continuar com um exemplo extraído de um culto: "Outro dia uma moça estava aqui em frente ao palco e eu disse a ela para subir", conta (o palco tem cerca de 1m20 de altura). "Ela respondeu: 'Ah, pastor, quem sou eu para subir aí'. É. Tem de ficar aí embaixo mesmo", completou, provocando risos na platéia.
Depois das ilustrações, volta com o conceito: "Com fé você consegue tudo que quiser. Sem fé, vai ser passado para trás".
Está na hora de começar a falar nas doações de dinheiro. Também na quinta-feira, o pastor deu nesse instante uma justificativa ao mesmo tempo prática e "teológica".
"Temos igrejas em vários países", disse, logo emendando, com voz mais elevada: "Mas ainda é pouco! Temos de ter igrejas no mundo inteiro, porque só assim vamos destruir o diabo".
Destruir, derrotar, lutar contra: a metáfora de combate é onipresente. As doações são necessárias para "ofender o diabo, humilhar o miserável". Quanto mais altas, maior a possibilidade de vitória.
O sermão termina com essas imagens gritadas. Mas resta uma hora de culto ainda. O pastor convoca as pessoas que estão com problemas a ir até a frente.
Os problemas são variados. O pastor pode chamar "os que brigam com a família", "os que não conseguem abandonar um vício" ou, simplesmente, "os que levam uma vida enjoativa".
Invariavelmente, nesse ponto, mais de três quartos da platéia se levantam e andam até o palco.
Ouvida pela Folha, a balconista Regina, que trabalha num botequim ao lado da igreja, disse que gosta do que o pastor fala "porque parece que ele está falando da minha vida, lá em cima".
Desempregado, o mecânico Roberval diz estar lá "porque não sei mais o que fazer". Segundo ele, o pastor "anima" as pessoas, "transmite fé para a gente".

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