São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Publicar é o melhor remédio

MARCELO LEITE

O caso mais vistoso da imprensa na semana que passou foi o corte da cabeça de Henrique Hargreaves dos Correios. Nem por isso foi o mais importante -só um novo caso de vampirização da coisa pública por interesses privados. No ritmo atual de sacrifícios desses quirópteros profissionais, talvez em um ou dois séculos se alcance a extinção da espécie.
Bem mais alentadora, para tal gênero de parasitas que infesta Brasília, foi a recomposição do habitat cavernoso em que prosperam. Refiro-me à nova lei eleitoral aprovada quarta-feira pela Câmara dos Deputados, tendo como relator o deputado João Almeida (PMDB-BA).
Não vou entrar aqui nos detalhes da nova legislação. Interessa é destacar que o retrocesso teria sido ainda maior não fosse a reação imediata da imprensa, na qual a Folha desempenhou papel de destaque.
O jornal foi o único a dedicar manchetes ao assunto, na terça-feira ("Lei eleitoral racha governistas") e na quinta-feira ("Câmara aprova lei eleitoral"). Está certo que não tinha nas mãos um caso tão quente quanto o de Hargreaves, levantado por "O Globo", e que rendeu três manchetes ao diário fluminense. Mas o destaque foi de todo coerente com a importância dada pela Folha aos temas institucionais.
(Parêntese: Quando entrou no assunto, quarta-feira, a Folha omitiu que o furo era do "Globo", contrariando recomendação do seu próprio "Novo Manual da Redação", no verbete "furo", à pág. 34. Apontada a falha na crítica interna do ombudsman, nem por isso foi sanada nas edições seguintes, ao menos nos exemplares que tive em mãos.)
A iniciativa mais penetrante da Folha, porém, não foram as manchetes. Bem mais eficaz, especulo, deve ter sido o quadrinho estampado na Primeira Página da terça. Com o título "Opine sobre o projeto", informava o telefone das lideranças na Câmara dos seis principais partidos. Este é o mapa da mina parlamentar:

Foi uma torrente de ligações iradas contra idéias como o fim da obrigação de informar os autores de doações eleitorais. Esta é a matriz de muitas formas de corrupção, e não só no Brasil. Houve também muitas chamadas repletas de xingamentos, pois alguns cidadãos ainda confundem impropérios com protesto.
É certo que a reação da opinião pública foi decisiva para o recuo da Câmara. O texto aprovado na quinta-feira manteve a exigência de identificação dos financiadores de campanhas, mas permaneceram outros retrocessos.

Pesquisas eleitorais
Foi no trato desses senões que o jornal saiu dos trilhos retos da transparência, em que vinha trafegando.
Na edição de anteontem, a reportagem principal da pág. 1-11 destacava -corretamente- a permissão absurda para que candidatos participem de comícios de inauguração. O título, muito bom, era "Lei permite marketing com obra pública".
A Primeira Página e o primeiro editorial ("Acinte"), no entanto, preferiram chamar a atenção para a proibição de que jornais lancem palpites sobre o resultado das eleições com base em pesquisas eleitorais. Sem dúvida um assunto importante, pela ameaça evidente contra o direito à informação, mas igualmente um tema de interesse direto do jornal, coligado que é ao instituto de pesquisa Datafolha.
Não é só a suspeita inevitável de jornalismo em causa própria que incomoda. A Folha também não recorreu a um debate aberto e isento, nas últimas semanas, acerca dos efeitos das pesquisas de intenção de voto sobre as eleições.
Em vez disso, aferrou-se ao argumento da liberdade de informação -que também tendo a pôr acima do resto, por sua condição de direito fundamental. Com isso, deixou de aplicar ao caso a panacéia que prescreve para tudo: quanto mais publicidade, melhor.
Está faltando, por exemplo, uma discussão mais ampla sobre os argumentos arrolados pelo mesmo João Almeida em sua proposta de emenda ao artigo 220 da Constituição. Na justificação, o peemedebista menciona que a proibição é praxe em algumas democracias vigorosas, como Itália (por duas semanas antes do pleito), França (uma semana), Espanha (cinco dias) e Japão (por toda a campanha). O jornal deveria informar por quê.
A exposição de motivos do parlamentar baiano traz ainda os seguintes argumentos, bem menos convincentes, em favor da tese:
As pesquisas tendem a determinar o ritmo da campanha eleitoral;
São manipuláveis e imprecisas;
Afetam o comportamento dos indecisos, "apesar de não determinar o resultado de uma eleição";
Anulam a igualdade jurídica de partidos e candidatos;
Não representam contribuição efetiva para a divulgação de qualidades e programas dos candidatos.
Tenho objeções a quase todos os pontos, mas este não é o espaço adequado para promover uma discussão do gênero.
Para concluir, é bom lembrar que o projeto ainda tem de ser aprovado pelo Senado, onde novas barbaridades -ou melhoramentos- poderão acontecer. Para facilitar a vigilância sobre a Câmara Alta, o jornal deveria anunciar não apenas os números de telefone das lideranças, mas também os de fax.

Giannotti
Um intelectual com o vigor do filósofo José Arthur Giannotti não precisa de mais uma manifestação de solidariedade, muito menos de ex-aluno que sofreu na carne os rigores de sua legendária autoridade acadêmica. Cabe no entanto uma palavra sobre seu entrevero com o neocoronel Antônio Carlos Magalhães, pela lição que traz sobre o único antídoto eficaz contra as práticas malsãs da oligarquia brasileira.
Agastado com entrevista de Giannotti ao "Jornal do Brasil", ACM remeteu-lhe um fax canhestro, em sua tentativa de intimidação. Visando calar aquela voz que imaginava sintonizada com o presidente da República, desenterrou um episódio nada edificante da vida privada do professor.
Giannotti reagiu domingo passado com coragem e retidão, tomando a iniciativa de tornar pública a ameaça. Mencionou, em seu texto na pág. 1-3 da Folha ("Política da malvadeza"), inclusive a ocorrência com que ACM tencionava chantageá-lo. Não há de ter sido fácil, mas sua atitude contribuiu para tornar mais claro quão baixo pode descer a prática política, neste país.

Mais um
O restrito clube dos ombudsman da imprensa diária no Brasil ganha hoje mais um integrante: Mário Xavier, 39, que publica sua coluna de estréia bem no primeiro número do jornal catarinense "AN Capital". Agora são cinco defensores do leitor, segundo meu conhecimento: além da Folha, pioneira, "Folha da Tarde", "O Povo" (CE) e "Correio da Paraíba" (PB).
"AN Capital" é uma edição para Florianópolis do diário "A Notícia", de Joinville. Nasce já sob o olhar atento de Xavier, um gaúcho especializado em economia, que fez carreira em jornais de tradição no Sul, como "Zero Hora" e "Diário Catarinense".
Bem-vindo, Mário Xavier.

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