São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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'Nada impede a Norminha de voltar à TV'

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

A seguir, a continuação da entrevista com Jô Soares:

7. Adriane Galisteu - Você é uma unanimidade nacional: inteligente e absolutamente culto. Como você lida com essa responsabilidade diariamente, tendo o poder de formar opiniões, dizendo coisas que o público acredita por ser você que está dizendo?
Jô Soares - Não acredito nesse negócio de unanimidade nacional. É um rótulo que me assusta muito. A maneira que eu tenho para lidar com a minha responsabilidade é ser o mais honesto possível. Mas, mesmo assim, é evidente que eu erro à beça.
Folha - Qual foi o último erro que você cometeu na TV?
Jô Soares - Eu procuro fazer tudo com muita leveza. Quando você começa a se levar muito a sério, você fica insuportável. Não sei quem disse que "os anjos voam porque se encaram com leveza". Acontece com frequência de pessoas me mandarem fax dizendo que não concordam com coisas que eu digo ou com pessoas que eu entrevisto. Eu leio tudo. O programa é uma tribuna aberta.
Folha - Essa preocupação com a leveza não pode acabar te levando, às vezes, a ser menos incisivo do que deveria com um entrevistado, resultando numa entrevista boba ou chata?
Jô Soares - Tem duas coisas de que eu não posso abrir mão. Primeiro, de ouvir as pessoas. Segundo, da minha irreverência. No momento em que você começa a cercear as pessoas, você começa a agir de forma reacionária. Da mesma forma, quando você deixa de ser irreverente com alguns assuntos, você começa a ser reacionário em relação a esses assuntos. É claro que, às vezes, tem uma entrevista que não sai legal. Paciência!
8. Ronald Golias - O que você acha de mais curioso na sua personalidade?
Jô Soares - A curiosidade. Sou uma pessoa extremamente curiosa, inquieta. Não resisto a nada. Quero sempre saber tudo.
9. Max Nunes - Esse livro é o primeiro passo para a Academia Brasileira de Letras?
Jô Soares - (gargalhadas) Evidente que não! Isso não passa nem de leve pela minha cabeça.
Folha - Essa é a resposta obrigatória de todo escritor que almeja a Academia.
Jô Soares - Mas os que não querem entrar para a Academia também respondem assim. Não haveria passamanaria (tecido trabalhado com fio grosso) suficiente para bordar um fardão para mim. Estou fora já por total impossibilidade física de feitura de fardão.
10. Paulo Coelho - Você acha que existe preconceito no Brasil com uma pessoa que mostra ser criativa em mais de uma área?
Jô Soares - Para a pessoa mostrar que é criativa em várias áreas, demora. No Brasil, muitas vezes o multimídia é aquele que não consegue aparecer em mídia nenhuma.
Folha - Comediante, ator, diretor de teatro, artista plástico. Você nunca teve problemas com essa variedade?
Jô Soares - Não. Nem nas artes plásticas. Até participei da 9ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1967. Nunca vi qualquer preconceito. Eu só me senti realmente de fora quando dirigi o meu único filme, "O Pai do Povo", em 1975. Foi uma produção minha que eu escrevi, dirigi e interpretei. Foi a única vez em que eu senti uma certa resistência.
Folha - E o filme, que tal?
Jô Soares - Tenho o maior orgulho de ter feito um filme maldito, que não foi visto por ninguém: ele foi lançado em pleno Carnaval.
11. Jorge Amado - Por que você esperou tanto para escrever esse romance? Será que, por criar tantas personagens e situações magníficas na TV, você não sentia necessidade da escrita?
Jô Soares - O Otto Lara Rezende sempre me dizia que eu tinha que escrever um livro. Eu tinha muito medo, por um respeito muito grande, talvez até meio careta, pela literatura, pela palavra impressa. Até eu encontrar a maneira de escrever do meu jeito, com humor, solto, sem me preocupar em seguir esse ou aquele caminho, levou muito tempo. Agora, acho que encontrei essa maneira.
11 e 1/2. Wally Salomão - Na próxima vez, farei uma introdução de 48 laudas antes de fazer a pergunta. Diante da minha esperada prolixidade, essa pergunta pode ser considerada uma meia pergunta: A imortal Bô Francineide morreu para sempre?
Jô Soares - Nenhum personagem meu morre. A Bô Francineide olhava para a mãe (a Henriqueta Brieba), e dizia: "E pensar que eu saí de dentro dela". A qualquer momento, ela pode ressurgir.
Quando você recolhe o personagem na hora certa, ele não morre. Há um lugar, o paraíso dos personagens, onde eles ficam. Estão todos hibernando, a Norminha, a Bô Francineide, o professor Miranda.
Folha - Isso quer dizer que um dia eles podem voltar?
Jô Soares - Num programa de quadros de humor, acho muito difícil. Fiz durante 17 anos mais de 250 personagens. Não tenho a menor vontade de fazer isso de novo. Já conheço. Prefiro que as pessoas sintam saudades do que se irritem. Mas nada impede de amanhã eu fazer uma abertura do "Jô Soares Onze e Meia" vestido de Norminha.

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