São Paulo, domingo, 17 de setembro de 1995
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Troca de modelo

KLAUS HOFFMANN
FRANK A. LINDEN

KLAUS HOFFMANN; FRANK A. LINDEN
DA "MANAGER MAGAZINE"

A sensação aconteceu logo após o jantar. Na noite de 24 de abril, os chefes de compras da indústria automobilística alemã e seus fornecedores se encontraram no Maritim Kurhaus Hotel, em Bad Homburg, a convite de Erika Emmerich, presidente da Federação da Indústria Automobilística.
Por volta das 21h, a reunião se deslocou para a mansão da anfitriã, cujo charme, no entanto, foi insuficiente para conter os ânimos.
"Os japoneses nos tratam muito melhor", irritou-se um dos fabricantes de autopeças. "Pois forneça a eles. Ninguém obriga o senhor a fazer negócios conosco", revidou um executivo de montadora.
O embate originou-se no drástico aumento dos preços das matérias-primas. A borracha natural aumentou cerca de 80%; alumínio e plásticos, 60%. No entanto, os fabricantes de automóveis não foram um só milímetro de encontro aos preços dos fornecedores.
Só a BMW e a Mercedes-Benz sinalizaram disposição para o diálogo. Johannes Rudnitzki, responsável por compras na Mercedes-Benz, havia sugerido a realização da mesa-redonda, para que a empresa não ficasse em desvantagem perante a Ford, Opel e VW. Pura perda de tempo.
Assim, Hansjoerg Manger, da Bosch, Juergen Harnisck (Krupp), Alexander von Keudell (TRW), em conjunto com um punhado de colegas do setor, aproveitaram o ensejo para, pelos menos, dar vazão às suas frustrações.
Furiosos em decorrência de novos contratos amordaçantes do chefe de compras da VW, José Ignacio López de Arriortúa, os fornecedores se arriscaram a medir forças. Eles atacaram a rapinagem de know-how feita por Wolfsburg, o atropelamento arbitrário de prazos de pagamento acordados (Ford), a inacreditável burocracia de modelos de cooperação tipo Picos (Opel) e KVP2 (VW) e a caótica prática de ordens de fornecimentos das montadoras com respeito às quantidades a fornecer.
Os grupos de montadoras se despedem
Por mais que esses temas mexam com os fornecedores, são batalhas de ontem, quando se tratava apenas de preços e condições. O modelo López -o inclemente emagrecimento das margens de contribuição- perdeu seu atrativo. O basco extorquiu, para a VW, um quinto dos custos de materiais, cerca de 10 bilhões de marcos. López se fez pagar... e tornou-se dispensável.
No ínterim, o chefe da VW, Ferdinand Pi‰ch, e seus colegas das outras montadoras sabem que existem outras coisas por trás disso, muitas outras. E sabem que precisam se preparar.
Empresas como a Mercedes constroem rapidamente fábricas de automóveis em todo o mundo. Elas fornecem componentes entre si, usam cada vez mais peças de construção semelhante e viram suas organizações do avesso, reduzindo seus abismos de produção e desenvolvimento.
As montadoras querem lidar cada vez menos com a produção de seus automóveis. Elas se vêem como futuras organizações de marketing e vendas, desenvolvendo novos produtos e controlando a cadeia de valor agregado.
Nas fábricas-piloto da BMW e da Mercedes, nos EUA, a participação planejada de produção própria (sem motores) já é de apenas 15% a 20%. O restante é completado pelos fornecedores, que fornecem conjuntos inteiros de componentes às linhas de montagem. E, cada vez menos, ex-Alemanha.
Turbulências monetárias, pressões de custos e a concorrência opressora internacional fomentam um processo que mudará o ramo na segunda metade dos anos 90 de forma mais rápida e radical do que quer crer a maioria das empresas.
Os fabricantes de automóveis já chegaram ao limite de sua concentração. De 50 empresas independentes em nível mundial (1964) não restaram 20. Elas compram de forma global, adquirem 80% de suas peças de uma só fonte (como Ford ou BMW) e exigem de seus fornecedores uma presença em todos os países do mundo.
Segundo Eckhardt Jokisch, diretor de compras da Ford, os fabricantes alemães de autopeças, quase todos de porte médio, estão com "falta de ar". Ele crê que na Europa poderão sobreviver "no máximo cinco verdadeiros fornecedores de módulos ou sistemas".
Pois só a minoria dispõe do capital, da competência tecnológica e da administração em todos os cantos do mundo, complexos conjuntos de componentes às linhas de montagem das montadoras, em sincronismo com a produção.
Por enquanto, as montadoras européias ainda trabalham, em média, com mil fornecedores. Nos EUA, no entanto, a Mercedes já tenta mexer nas quantidades: ali, somente 50 fornecedores estão em contato direto com a montadora. Finalmente, só 25 parceiros em sistemas deverão participar do novo veículo urbano "Micro Compact Car" (protótipo).
A caravana de fabricantes de autopeças, na linha de fogo de López & Cia. desde 1987, somente agora chega ao "vale da morte" (segundo o guru de "management" Michael Porter). Irá sucumbir quem não ocupar nenhum nicho "high-tech", quem não puder fornecer quantidades mundiais.
A tese de Porter é confirmada por um depoimento do Banco da Indústria Alemã: "Principalmente no caso de empresas com faturamento entre 50 e 200 milhões de marcos, houve forte queda do resultado operacional e financeiro", afirmam os banqueiros de Düsseldorf. De acordo com previsões de empresas e analistas, nos próximos anos, entre metade e um terço dos fornecedores alemães para a indústria automobilística serão incorporados ou desaparecerão.
Diz Manfred Tuerks, expert da A.T. Kearney: "A luta pela sobrevivência ainda não atingiu seu ápice. A onda está se iniciando agora". Com a mudança dos modelos 1998 e 1999, preparada atualmente, as montadoras introduzem a nova distribuição de tarefas.
Por outro lado, quem subsistir ao processo seletivo brevemente poderá contar com imponentes lucros. "Fornecer não é um negócio que precise conviver com lucros marginais por um longo período", vaticina o "médico do ramo", o professor em administração industrial Horst Wildemann.
Os grandes fabricantes de autopeças consideram 10% a 15% de rentabilidade sobre as vendas como um objetivo realista. Com base nesses prognósticos, a Siemens voltou ao negócio em 1985 e os grupos Krupp-Hoesch, Mannesmann e Kloeckner retornaram passo a passo ao ramo.
O principal grupo de fabricantes de autopeças alemão já está mostrando sólidos resultados positivos. Na opinião da Boston Consulting, 10% das empresas fazem parte desta elite.
Deste modo, a empresa ITT Automotive, de Frankfurt, atingiu no ano passado 7,5% de rentabilidade sobre as vendas; a Siemens alcança, neste segmento, mais de 5%; assim, também, as fortes empresas de médio porte estão obtendo bons lucros após a recessão.
Procuradas: saídas do "vale da morte"
A corrida pela lucrativa liderança em sistemas está aquecida. Segundo opinião da Opel, até o ano 2000 os fornecedores responsáveis por conjuntos de componentes responderão pela metade do valor agregado total.
E todos, sem exceção, trabalharão com contratos de fornecimento que vigorarão pelo tempo integral de produção de um modelo. Conforme a Opel, todos os demais terão que se contentar com pedidos sujeitos a cancelamentos.
As condições para entrar no exclusivo clube dos líderes de sistemas são extremamente duras. Como "parceiros de valor agregado" (Wildemann), eles assumirão o papel de empresas-líderes na cadeia de fornecedores dos grupos de montadoras.
Eles direcionam os antigos fornecedores diretos dos fabricantes de veículos, desenvolvem, produzem, testam e montam conjuntos completos. Dominam a administração de projetos, são a vanguarda mundial no tocante à tecnologia de produção e processos e marcam presença em todos os recantos do mundo com fábricas-satélites. Garantem qualidade (falha zero), contínua economia de custos, fidelidade de entrega e uma logística "just-in-time".
Tarefa hercúlea até para gigantes do ramo, como Bosch (aproximadamente 20 bilhões de marcos de venda líquida - veículos), Nippondenso (19 bilhões de marcos), TRW Automotive (8 bilhões de marcos) ou ITT (6 bilhões de marcos).
Até agora não existe o parceiro perfeito de sistemas, que domine todas as matérias. Jokisch, da Ford: "a coisa anda devagar". Falta, principalmente, "a capacidade de trabalhar intersistemas", reclama Michael Macht, da Porsche Consulting.
Principalmente as empresas de porte médio alemãs, tradicionalmente pouco cooperativas, enfrentam dificuldades. Agora, elas precisam aprender rapidamente a forjar alianças internacionais e se agrupar em consórcios funcionais.
Para se manter no negócio com o seu principal cliente, há algum tempo o fabricante de autopeças

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